PALLADIO

terça-feira, agosto 29, 2006

Forma e Construção.

Uma frase de Alvar Aalto: No crescimento da cultura, cada período tem o mesmo valor artístico. Em termos humanos não podemos colocar a arte arcaica numa classe abaixo da Acrópole. Giotto não foi um mestre inferior aos arquitetos e pintores que o seguiram.

Sempre achei que, em arquitetura, o acúmulo histórico da experiência e o progresso tecnológico não têm infuência significativa sobre a qualidade do espaço construído. Michelangelo Buonarroti e Bramante não foram inferiores a Le Corbusier e Andrea Palladio nada fica a dever a mestres do modernismo como Alvar Aalto e Mies van der Rohe. Nem mesmo entre as obras contemporâneas a tecnologia de ponta faz alguma diferença quando se trata de qualidade arquitetônica; será a obra de Norman Foster superior a de Álvaro Siza, a de Richard Rogers melhor do que a de Paulo Mendes da Rocha? Claro que não!!!

Mies van der Rohe dizia que a arquitetura era a arte da construção (Baukunst), que sua (dela)essência era o contruir e que a arte era a manifestação última de sua perfeição tectônica. Sustentava também que a construção não apenas determinava a forma mas era ela mesmo a própria forma (um tanto redundante, não é verdade?). Não concordo totalmente com este postulado: evidentemente a forma surge da construção mas anteriormente a esta, ela foi imaginada, pensada; sua qualidade intrínseca independe do método construtivo e até de sua realização como objeto, ela é uma manifestação do intelecto (quem já viu os esboços de Bramante para S. Pedro, de Roma, sabe do que estou falando). Evidentemente a técnica construtiva transparece na forma (por exemplo, a pedra, a madeira, o concreto, o aço) mas a qualidade desta pertence ao reino das proporções, da sabedoria no uso da luz e dos materiais, das soluções estruturais que cantam, da sua adequação ao meio ambiente, ao lugar.

Uma metáfora adequada ao tema seria a de que as técnicas construtivas se constituissem em instrumentos musicais (indo desde a mais rude flauta doce até o mais perfeito Stradivarius ou a um piano moderno) e a arquitetura, nas melodias que criássemos tocando estes últimos; a música assim produzida iria certamente variar desde as mais sublimes sonatas até a ruídos sem nexo e insuportáveis. Até a próxima.

Euclides Oliveira

sexta-feira, agosto 25, 2006

A cidade segundo Pierre Diaz.

Transcrevo, a seguir, trechos de um artigo de Pierre Diaz-Pedregal publicado originalmente na revista L'Architecture D'Aujourd'Hui:

[... Os espaços públicos da cidade medieval continham uma dimensão imensurável; a rua, por exemplo, não era apenas um lugar de circulação ao qual a reduziu o urbanismo do século XX. Ela era um espaço de troca, de reunião, de festas, à maneira de um "espaço de contato"...].

Esta expressão é de Françoise Choay para o espaço da cidade medieval, que ela contrapõe à cidade do século XIX, o "espaço do espetáculo", e às aglomerações urbanas (nossas cidades) do século XX, o "espaço da circulação".

[... Esta multifuncionalidade das ruas e praças caracterizam a cidade medieval... ... a Renascença marca uma ruptura na história urbana. No final do século XV, o crescente poderio econômico dos mercadores gera uma mutação profunda no equilíbrio político estrutural vigente. Para sobreviver como classe, a sociedade senhorial e monárquica deveria assumir o controle das cidades aliando-se à sociedade mercantilista. A cidade deveria tornar-se a sede do poder que já fora durante a Antiguidade. De resto, um discurso urbano específico assim surgiu e se desenvolveu. Ele justificaria a criação de novos espaços e edifícios construidos para a glória de reis, duques, condes ou príncipes todo-poderosos da Igreja. A "Arte Urbana" foi então encarregada de construir praças, ruas, perspectivas e outros eventos espaciais nos quais o (seu) uso era praticamente reservado para as classes dominantes; a aristocracia e a burguesia preocupavam-se em espelhar nas suas cidades, a imagem de sua recente riqueza.
Até o século XVIII a morfologia das cidades européias, transformadas pela "Arte Urbana", refletiam esta hierarquia social; são os tempos do "espaço do espetáculo"....]

Os tempos do "espaço da circulação" bem sabemos como começaram; com a industrialização e a migração em massa de camponeses dos campos para as cidades, formando eles uma nova classe, a do proletariado. Mas voltando um pouco atrás, Portugal, quando nos tomou por colônia, não trouxe para cá a nova organização social da Renascença, mas sim o Feudalismo. Os grandes latifúndios de monocultura tinham no senhor de engenho o seu senhor feudal, trocando-se apenas os campônios europeus por escravos vindos da África. As cidades eram meros portos para a exportação do açucar e lugar para a modesta administração colonial. Como observou o professor Nestor Goulart, a verdadeira cidade ficava na metrópole, a relação cidade-campo fazia-se através do oceano Atlântico. Foi apenas com a descoberta do ouro que vilas e cidades foram fundadas por aqui sem a característica de meros entrepostos comerciais, surgindo, finalmente, em nosso país, uma autêntica cultura urbana. Não nos esqueçamos que, ao contrário da América Espanhola, que abrigou civilizações sofisticadas antes do seu "Descobrimento", os povos que habitavam o Brasil ainda pertenciam ao neolítico quando os portugueses por aqui aportaram.

Este assunto dá "pano para manga", voltarei a ele no futuro.

Euclides Oliveira

quarta-feira, agosto 23, 2006

Para recordar

Palavras do filósofo espanhol Eduardo Subirats, nascido em Barcelona em 1947 e que conhece profundamente a produção arquitetônica de nosso país:

[..."Antes, existia um lugar para o sonho e a utopia nos movimentos de resistência e crítica: hoje eles se converteram em um ritual de consumo cultural. As vanguardas abandoraram seu sentido inovador por um caráter profundamente conservador. Pressionados pelo consumismo os artistas perderam a plena liberdade para criar. A identificação com o novo não está ao lado da liberdade de renovação mas, frequentemente, a seviço do esquecimento de si mesmo, de alienação. As gerações mais jovens sentem-se obrigadas a uma constante atualização tecnológica e a uma diferenciação linguística"...]

Vitorrio Gregotti nos diz algo semelhante: [..."O pior inimigo da arquitetura moderna é a idéia de espaço considerado exclusivamente em termos de suas exigências econômicas e tecnológicas, indiferentes a idéia de lugar...].

Resumindo, as vanguardas viraram moda de consumo, avidamente absorvidas pelas elites a procura do último fato cultural produzido pelo mercado. Voltando a Subirats: [... "A moda é um sistema social de produção de uma falsa identidade"...], falsidade esta propagada pela mídia capitalista globalizada e adotada freneticamente pelos basbaques que formam a "nata" social aqui da terrinha.

Euclides Oliveira.

domingo, agosto 20, 2006

PERDIDO

Anda vagando pelo bairro
Fazem dois, três meses, por aí,
Um cão, um grande poodle
Negro, empoeirado,
Que por cá passa sempre assustado,
Apressado, esgueirando-se pela rua
Com jeito de rejeitado.

Tem resistido o bicho;
Volta e meia aparece e parte em seguida, aflito,
Farejando sem cessar o rastro dos seus,
Procurando, incansável, o caminho de casa
No insolúvel quebra-cabeças das esquinas.
Terá alguém que o alimente? Dê-lhe um osso?
Beberá, tão somente, ao longo das calçadas
Das poças d'água que restam das chuvas?

Penso, que pesadelo tenebroso instalou-se
Tão de repente em tua vida, bicho triste?
Pobre cão, que duro deve ter sido
Para ti, sentir-se assim perdido
Num átimo de tempo, no momento impercebido
Ver-se apartado de tudo aquilo
Que era o teu tempo, o teu espaço,
O objeto do teu afeto? Só,
Vagando em interminável agonia,
Procuras incessantemente
Algo teu que desapareceu,
Que não consegues reencontrar;
E enquanto trotas por aí os dias vão passando,
Tua memória do anteontem vai se esvaecendo,
Torna-se baça, pequena, difusa,
Um ponto distante de luz
Na escuridão de tua vida.

Não vejo final feliz para teu sofrimento, cão.
És velho, grande, feio,
Ninguém há de te acolher;
Só posso para ti desejar
Que uma dessas manhãs (misericordiosa)
Te encontre dormindo em paz.

Euclides Oliveira, 2003.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Tibor Kalman

O designer norte-americano Tibor Kalman era húngaro de nascimento, emigrou ainda pequeno para os EUA, mas não foi, certamente, um cidadão ianque exemplar; preso na época da guerra no Vietnam por causa de seus protestos no campus da sua universidade, quando solto viajou para Cuba como cortador de cana, ajudando a ilha na colheita de seu principal produto de exportação. Kalman morreu ainda jovem, em 1999; segue abaixo um texto de sua autoria.

Comitês fodidos (fuck committes). É sobre (o texto) a luta entre indivíduos que fazem de seu trabalho um credo contra os comitês corporativos de hoje, que acham que entendem de tudo sobre as necessidades do povo e que estão abolindo quaisquer idiossincrasias que porventura ainda sobrevivam, polindo todas as arestas que sobraram, criando assim um "mix" cultural livre de paixões, de pensamentos e que não será amado ou detestado por ninguém. Em nosso tempo, praticamente toda a mídia, a arquitetura e o design gráfico e industrial foram libertados das idéias e paixões individuais sendo relegados a uma função servil perante as grandes empresas, desenvolvendo estratégias corporativistas e aumentando os ganhos de mercado.

Gente criativa está trabalhando agora no fundo do poço; editores de revistas perderam sua independência editorial e agora reportam-se a comitês de produtores (que por sua vez trabalham para comitês de publicidade). "Scripts" de TV são censurados por produtores, anunciantes, advogados, especialistas em marketing, bandos de bem pagos executivos que escolhem os produtos que são inofensivos o bastante para divertir os que eles chamam de "mínimo denominador comum" das massas. Os estúdios de cinema submetem seus filmes a especialistas de mercado para verificarem se determinado final vai agradar ou não o público alvo...]

Humbetor Eco já escreveu sobre este assunto, filmes e livros de hoje baseiam-se na "vontade dos mercados" (?), com o discurso de que o bem sempre vence o mal e até mesmo a morte, via de regra abusando de extrema violência e ignorância por parte de seus heróis. Lermos ou assistirmos filmes cujas narrativas não terminam "bem", ajudam-nos a aprender a suportar frustrações e nos preparam para aceitarmos a morte. Mas continua o Kalman:

[...Os automóveis parecem todos iguais. As decisões sobre arquitetura são feitas por corretores de imóveis, a publicidade é estúpida. O teatro está morto. As grandes corporações tornaram-se os únicos árbitros dos valores culturais na América, nossa cultura é uma cultura de empresários...]

Volta e meia me deparo com um artigo deste gênero e percebo, surpreso, como tanta gente boa entende a situação por que passam as culturas regionais nestes tempos reacionários; e que, apesar disto, não se vê uma fenda, uma rachadura significativa sequer no "establishment" cultural. Quantos textos sobre a mercantilização e a colonização (americanização) da nossa arquitetura, da nossa música, das nossas artes plásticas, já li nos últimos anos e no entanto não vejo a menor mudança no cenário vigente ( vivemos o nosso " thermidor"). Para a arquitetura atual, o futuro não tem a menor importância e o passado menos ainda (pelo menos o passado brasileiro, pois somos obrigados a engolir como nosso o passado dos outros). O lixo edificado em nossa época restará para o espanto das nossas futuras gerações, que certamente não entenderão porque não fizemos tantas coisas (pelo menos um teto para a humanidade) e fizemos tantas outras tão mal e porcamente.

quarta-feira, agosto 16, 2006

Greve dos Metroviários

Leio no jornal de hoje que a greve dos metroviários afetou 1,6 milhões de pessoas; acho justa esta greve, pois não tem cabimento o governo privatizar, mesmo que parcialmente, uma empresa de funcionamento modelar. Se há necessidade de aporte financeiro, que ele venha do Governo Federal, o transporte coletivo realizado por empresas privadas aqui em Sampa é simplesmente vergonhoso, porcalhão.

Mas o número acima serva de alerta. Pessoalmente não acho que exista solução viária baseada no transporte individual para São Paulo; o automóvel, como agente poluidor, e a infra-estrutura que dele decorre já levaram a cidade ao limite de degradação física suportável. Sua agressão atinge tanto a paisagem urbana, pontilhada de viadutos sempre congestionados, quanto a rural, com a expansão ilimitada dos subúbios sobre o ambiente silvestre.

As grandes metrópoles do mundo, em sua maioria, restringem o uso do automóvel; em Paris a construção de vagas em edifícios novos no centro, é proibida, em Londres paga-se para trafegar pela "City", em Nova Iorque, a classe média nem carro possui, anda de metrô ou ônibus e, para sair da cidade, aluga um veículo pelo tempo necessário.

Mas, se parece tão óbvia a opção pelo transporte coletivo (metrô, ônibus ou mesmo bonde), por que nossos administradores não tomam as medidas cabíveis neste caso? A resposta é simples, temem desagradar as classes média e alta e o "lobby" da industria automobilística, perdendo assim seus preciosos votos e o caixa para as campanhas eleitorais. Mas esta situação não pode perdurar para sempre, uma hora destas haverá de aparecer um governante responsável que lance as bases de uma verdadeira política de transporte urbano que previlegie de maneira insofismável o que é publico em detrimento do que é particular. Passo a enumerar algumas medidas que, em minha opinião, poderiam alterar a atual feição dos meios de transporte da cidade:

1 - Suspender-se qualquer tipo de obra viária que vise favorecer o transporte individual, tais como novas avenidas, túneis e viadutos, pistas extras nas marginais, etc., priorizando-se apenas a construção de corredores de ônibus e taxis. Os engarrafamentos de trânsito causados por esta medida desencorajariam, com certeza, o uso do automóvel. (Esta providência, o engarrafamento induzido de veículos, já é utilizada em países como a Alemanha e a Holanda.

2 - Ampliar-se significativamente a rede de metrô; começamos a construir o de SP ao mesmo tempo do que o da Cidade do México (também metrópole do 3º mundo) e hoje temos cerca de quarenta estações em nossas linhas enquanto que as dos mexicanos contam com mais de duzentas (quanta incompetência vemos aí de nossos políticos e administradores!).

3 - Reestudar-se seriamente a volta do bonde em determinadas regiões da cidade.

4 - Mais prosaicamente, permitir-se o estacionamento em ambos os lados da grande maioria das vias públicas. Tal medida, além de afunilar o trânsito de automóveis, traria maior proteção ao pedestre, pois desta maneira seria formada uma barreira entre este e a rua, com maior segurança, principalmente, para as crianças que brincam nas calçadas. E por falar nisto, precisamos muito, mas muito mesmo, de mais faróis e faixas de pedestres nesta cidade; nela, morrem atropelados mais de dois cidadãos por dia, cerca de oitocentos por ano, um verdadeiro absurdo. Estas faixas deveriam ser no nível das calçadas, tanto para facilitar a travsessia de portadores de deficiência física e idosos quanto a criar uma lombada para que os motoristas diminuissem ali a velocidade de seus veículos e soubessem que nestas faixas o território é tanto do pedestre quanto seu.

5 - O Código de Obras deveria deixar de exigir vagas para estacionamento em edifícios para escritórios e congêneres e até mesmo para comércio e lazer. O Fórum Internacional de Tóquio, para dezenas de milhares de frequentadores, conta com apenas quarenta ou cinquenta vagas para automóveis e em Viena vai-se a Ópera, mesmo de "soirée", de metrô.

6 - A Prefeitura deveria criar mais ruas para pedestres nos centros de bairro e instituir a cobrança de pedágio no centro histórico expandido da cidade. E melhorar de vez as frotas de ônibus, meu Deus, cujas empresas proprietárias formam, como é de conhecimento público, uma verdadeirs máfia que põe nas ruas veículos com quinze anos de idade ou mais.

Estas medidas não precisariam ser implantadas da noite para o dia, mas ao longo dos anos, desde que fundamentadas por uma sólida política de transporte coletivo para Sampa; assim poderíamos derrubar o minhocão e outros viadutos que, definitivamente, não deveriam fazer parte da paisagem urbana de nossa cidade. Rem Koolhaas estava enganado quando escreveu em "Delirious New York" que a cidade européia estava morta e que o futuro seria do modelo norte-americano de metrópoles contínuas (baseado no transporte individual); precisamos de cidades compactas, novamente, devido ao previsivel esgotamento dos recursos naturais (petróleo, água) e o desaparecimento inquietante das áreas agrestes do planeta.

Euclides Oliveira.

segunda-feira, agosto 14, 2006

NOTURNO DE SÃO PAULO

Havia (era uma vez)
Nas madrugadas sem serestas
De São Paulo,
Um halo branco, um véu mais denso
Do que a bruma que aparentava ser,
Um fumo, um ectoplasma
A vagar por parques e praças
Lavadas por fina chuva,
Pelas bocas do metropolitano
Sem seu povo, apagadas;
A passar por ruas e vielas,
Com seus prédios de concreto
Inertes, como rochedos,
A espera do amanhecer.

Na forma de nevoeiro
Ou na de halo ou véu,
Este vulto que rondava a cidade
Antes do sol nascer,
Era a alma do poeta
(Que tanto e tão bem a cantara)
A procura do corpo
Que por aqui deixara em pedaços
Ao morrer

No Largo do Paissandú ficara
O seu coração paulistano;
Na Lopes Chaves a cabeça, o joelho
Na universidade...
E assim, dele saudoso,
Retornava o poeta à cidade
Procurando seus pedaços,
Remexendo aqui e ali,
Imprecando na escuridão,
Assustando os parcos boêmios
Que nada sabiam das tripas
Que atirara ele aos demônios,
Nem das finas mãos de artista
Que desviveram e desapareceram
Nesta desvairada paulicéia.

Eucides Oliveira/ 2001.

sábado, agosto 12, 2006

Ruínas Arquitetônicas

Na França, nos séculos XVIII e XIX, talvez em decorrência dos achados arqueológicos da época,
a ruína arquitetônica passou a ser considerada mais bela do que o próprio monumento intacto, tanto pela aristocracia quanto pela burguesia florescente. Era comum artistas pintarem como ficariam no futuro, arruinados, os edifícios do presente e surgiam às centenas, nos jardins dos bem-aquinhoados, falsas ruínas de mármore de Carrara. Em 1899, o romancista e ensaista francês Joris-Karl Huysman, irritado com a arquitetura do seu século, escreveu sobre a substituição do edifício do Conseil D'Etat por um museu: [...Ateiem fogo ao desagregado desta cansativa montoeira de pedras... em vez de uma terrível caserna terse-ia um palácio romano demolido, uma fantasia de Babel, um esboço de Piranesi, com suas arcadas inacabadas, seus arcos perdidos, suas galerias se dirigindo para o espaço... arquitetura inteiramente de sonho, um pessadelo feito de colunas abruptas, esculpidas com um machado na congestão de um delírio louco... Para embelezar esta horrível Paris dever-se-ia espalhar aqui e ali algumas ruínas, incendiar a Bolsa, a Madeleine, o Ministério da Guerra, a igreja de Saint-Xavier, a Ópera e o Odéon... Passaremos a nos concientizar que o fogo é o artista essencial da nossa época e que, tão podre enquanto crua, a arquitetura do século se tornaria tremenda, quase soberba, quando cozida...]

Ao reler este texto fiquei pensando em quantos edifícios poderiamos "cozinhar" aqui em Sampa para dar uma melhoradinha no visual da cidade... Há tanta arquitetura porcalhona por aí, prédios neoclássicos, pós-modernos, caixas de vidro azul-espelhado, "shopping-centers", a Daslú... Mas não iria adiantar, mesmo queimados pelo fogo não dariam belas ruínas, são ruins demais para tal, melhor mesmo seria implodí-los de vez para voltarem a ser pó.

Euclides Oliveira.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Sobre a Barra.

Estive no mês passado em um almoço na Barra da Tijuca, RJ, e mais uma vez fiquei chocado com o panorama ao longo da Av. das Américas; ausência de tecido urbano, imensos vazios na paisagem, "shoppings" e comércio com arquitetura de quinta categoria. Cidades assim, lineares, com suas rígidas hierarquias de ruas, tendem a uma ocupação territorialista do solo, com ilhas urbanas acessíveis apenas por vias de alta velocidade. Esta disposição espacial leva, acredito eu, a uma segregação por classes sociais, ficando, desta maneira, as cidades fechadas para a riqueza de contatos humanos próprios da vida urbana tradicional; ao invés deles, o isolamento das quadras favorece a discriminação dos pobres e a criação de "gangs" de adolescentes em territórios demarcados, com o inevitável confronto físico entre os grupos assim formados.

Desconheço até que ponto o projeto do Dr. Lúcio Costa foi obedecido, mas os defeitos e qualidades do plano hoje visíveis são os da "Carta de Atenas" do nosso L.C.. Não podemos culpá-lo pela sua concepção voltada para o transporte individual, pois na época de sua concepção ainda não tinhamos idéia do impacto mortífero que o automóvel causaria nas nossas cidades, na atmosfera, no planeta. Pelo contrário, havia então um "lobby" mundial contra o transporte coletivo, por parte da industria automobilística (o Henry Ford dizia que seu sonho era que cada homem, na terra, possuísse o seu automovel; na China, no Paquistão, na Índia, então, isto seria uma beleza!).

Considero hoje que a Barra da Tijuca deveria ter funcionado para o Rio de Janeiro como o "Quartier de La Defènce" funciona para Paris; um local onde o novo poderia florecer sem desvirtuar a antiga capital. Mas tal fato não aconteceu, acabaram com o velho Rio e construiram (os especuladores imobiliários), na Barra, uma cidade no mínimo de civilidade duvidosa, plena de barreiras urbanísticas e arquitetônicas, além de destruirem sua bela paisagem silvestre.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Os Trapeiros

Encontro este trecho em um livro de textos de Walter Benjamin, no ensaio cujo título é Paris,
Capital do Século XIX:

[...O vinho permite , a esses deserdados, os sonhos de vingança futura e de uma futura dominação. Assim em "o vinho dos trapeiros":

"vê-se um trapeiro que vem, cabeça inquieta,
Catando e se apoiando em muros feito um poeta,
E, sem se inquietar com delatores, seus senhores,
Seu coração todo se abre a projetos sonhadores.

Presta juramentos, dita sublimes leis,
Arrasa pecadores, vítimas levanta,
E, sob o céu como um sólio suspenso,
Se embriaga no esplendor de sua virtude imensa."
(Baudelaire, 1849)

Os catadores de trapo apareceram em maior número nas cidades depois que, através de novos processos industriais, passou-se a dar um certo valor ao lixo. Eles trabalhavam para intermediários e representavam uma espécie de indústria caseira sediada na rua. A figura do trapeiro fascinou a sua época. Os olhares dos primeiros pesquisadores do pauperismo estavam como que hipnotizados por ela, com a tácita pergunta no sentido de saber onde seria alcançado o limite da miséria humana...]

Passaram-se mais de cento e cinquenta anos desde este poema e ainda hoje me espanto, nas ruas de São Paulo, com a mesma miséria das crianças e velhas catando o lixo nas calçadas, dos homens meio embriagados puxando carroças abarrotadas de trapos, os caminhões dos atravessadores passando adernados sob o peso de caixas e jornais... O lixo continua sendo mercadoria de troca disputada por esta gente (desempregados, despossuidos, excluidos)
que ao entardecer ocupam as ruas dos bairros ricos ou de classe média como formigas atrás dos nossos restos, proletários desta estranha indústria que funciona debaixo de nossos olhos... Até quando isto? E o pior é que sabemos que não é este o derradeiro limite da miséria da humanidade.