PALLADIO

segunda-feira, março 26, 2007

ABRIL

Logo estará sobre nós o céu de abril
Com sua abóbada de um pálido azul
Por onde passam galáxias que não vemos
E abaixo faz seu arco o sol laranja,
Lançando longas sombras sobre a terra,
Tornando o que é pequeno, gigante.

Abril. Voltará o prazer de andar na rua,
Com, ao mesmo tempo, calor e frio,
No claro-escuro alternado das calçadas,
Olhar os alegres fiapos de nuvens
Correrem velozes pelo céu, o vento
Levar as folhas, levantar saias e jornais.

A cidade ficará humanizada
E nela a vida mais fácil de levar-se;
Irá bem uma boa feijoada,
Ou um cozido, como de praxe, à portuguesa,
Se não um prato (fundo) de macarronada,
Uma branquinha e depois, copos de vinho.

Com abril vem a época adequada
Para ver-se uma boa peça e jantar depois da cena,
Sentar-se nos cafés, ir ao cinema, virar os sebos
Atrás do livro que sumiu e se quer reler,
Ouvir se possível, na Filarmônica
A terceira das quatro estações.

Será a hora de aquecer-se, de aninhar-se,
Voltarão os cobertores para as camas,
Casacos e suéteres para os corpos. Engordar.
Os Cucas introduzirão as sopas nos cardápios,
Os chás, os bolos, o chocolate quente,
Biscoitos, tortas, pastéis e aguardentes.

Na França estaríamos em germinal
O nome revolucionário de abril,
Mas germinal lá é primavera, melhor
Seria aqui fructidor, o outono.
Quando estão maduros os frutos de termidor
Ou então vendemiáire, o mês dos ventos.


Abril são ruas cheias (é doce caminhar
Ao sol do outono), lojas, luzes, vitrines,
Brilharão nos bairros ricos da cidade,
Ficando a miséria em suas esquinas
E ela é tanta, que não basta só
A estação que chega, para escondê-la.

À noite chegarão como sempre vêm,
Os trapeiros virando o lixo dos burgueses,
Estranhos proletários das calçadas
A cata de garrafas e de latinhas,
Com suas carroças que passam adernadas
Sob o peso das caixas de papelão.

sexta-feira, março 23, 2007

Planorcom Versus MMM Roberto

Horrorizou-me a intervenção que a Planorcon (?) fez no aeroporto de Santos Dumont e que foi publicada na edição do Arcoweb de 17/03/2007. Onde estavam o IPHAN, o IAB-RJ que permitiram mais este crime assacado contra o patrimônio da arquitetura moderna deste país tão infeliz ao cuidar de sua cultura? Que absurdo aquele corredor de acesso aos "fingers", chupadíssimo de vários projetos de aeroportos "high-tech" extremo-orientais, escondendo o prédio dos MMM Roberto e velando do saguão de entrada um dos mais belos panoramas do mundo, ocultados por uma mais do que canhestra estrutura metálica?
Nos últimos anos, com a desfarrapada desculpa do Pan-2007 o Cesar Maia tem construído qualquer cacareco, por pior que seja, na pobre Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, que já foi "mui heróica e leal" e hoje parece que é governada por um débil mental. Por que tudo ao Sul do Equador tem de ser sempre para pior? Principalmente em nossa pátria (cf. Vinicius), pátria-nossa tão pobrinha ( e que vai ficando cada vez mais feinha). Para mais comentários, só com Camões...

No mais, Musa, no mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria não, que está metida
No gosto da cobiça e da rudeza
Dhüa austera, apagada e vil tristeza.


Quem se dispuser a consultar o indigitado anexo aeroportuário (?) no www.arcoweb.com.br, repare como o corte transversal é uma cópia deslavada e tecnicamente empobrecida da seção típica do aeroporto de Kansai, em Osaka, Japão, do arquiteto italiano Renzo Piano. Arquitetura "low-tech"! (Vejam-se, p.e. as revistas Domus nº 764 ou a L'Architecture D'Aujourd'Hui nº276). A chupada é descarada e indefensável já que se trata de projeto de repercussão mundial, de grande visibilidade na mídia e formalmente de muita originalidade e criatividade, com a marca indiscutível do seu autor. Mas que falta de imaginação! Olá arquitetos da Planorcon! Dêem uma espiada no aeroporto de Sevilha, do Rafael Moneo, para constatarem que é possível desenhar-se um aeroporto sem se cair em clichês pseudo-tecnológicos e sem renunciar ao contexto do lugar!(V. Domus 736)
Outro item importante: O "Renzo Piano Workshop" ganhou o projeto em um concurso internacional de arquitetura; alguém sabe, por acaso, como foi que a Planarcom "ganhou" este projeto? Se concurso houve, um ou outro colega ouviu falar-se dele? Pois é...
Enfim, dói no coração ver a bela treliça tridimensional do Piano, em forma de coluna vertebral de um sáurio gigantesco (80 m de vão + balanços) transformada em espinhela de uma mera lagartixa, sapecada de qualquer jeito sobre o belo prédio dos irmãos Roberto. Quando a Lina Bardi via barbaridades como essa, aconselhava: planta hera, meu filho, tapa com hera. Hera, unha-de-gato, qualquer coisa.

Euclides Oliveira.

segunda-feira, março 19, 2007

Preservação de Espaços de Reclusão na Cidade.

Escrevi esta mensagem a propósito de um belo artigo de Paula Janovitz, editora do Carbono 14 e chefe do serviço de divulgação do IPHAN em SP, publicado originalmente no portal de arquitetura da web "Vitrúvius" denominado "Memórias Difíceis - Espaços de Exclusão na Cidade".

Cara Paula, acho que a sua colocação é sobretudo Ética, versa sobre a oportunidade da preservação do Mal, ou melhor dizendo, sobre a preservação ou não de edifícios, monumentos e espaços que representam ou abrigaram o Mal (no sentido que Platão lhe dá, em sua "República", de oposto do Bem).*

Para mim a questão é muito complexa; por exemplo, quantos monumentos da antiguidade não foram construídos com trabalho escravo? O Mal aí não está na sua função histórica, mas no próprio ato de sua construção; mas representam a cultura de uma época e deste modo devem ser preservados. Milhares de edifícios na história da humanidade acolheram o Mal em suas formas mais cruéis; se você já foi a Veneza deve ter visto as masmorras do Palácio dos Doges, aquele horror todo debaixo de tanta beleza... E a shakespeareana "London Tower" de tantos crimes famosos, os belos castelos medievais dos Senhores da Guerra, quantas atrocidades não viram eles em séculos de história? E mais os monumentos que simbolizam a exploração do homem pelo homem, desde Versailles até a sede do Citybank, em Nova Iorque? Catedrais góticas e igrejas barrocas podem expressar o desejo humano de transcendência através da religião, mas também o poder temporal desta última que tantos homens e mulheres mandou para a fogueira e o cadafalso por meio da Inquisição (vejam os Giordano Bruno, os "heréticos" as "feiticeiras", os alquimistas, os judeus da Península Ibérica, etc.)

Por aqui, além dos fatos recentes que você citou (DOPS, DOI-CODI), quase todas as cidades históricas possuem o seu "Largo do Pelourinho" onde os escravos negros eram publicamente humilhados e supliciados. Há muita ambigüidade nestas questões; se formos considerar que não devemos manter espaços relacionados com o Mal, fica difícil avaliar o que preservar, quando nossos próprios espaços urbanos abrigaram sociedades e ritos tão injustos.

Olhemos os campos de extermínio nazistas – não os vejo como espaços de preservação da dor ou da culpa e sim como campos sagrados dos que ali foram torturados e perderam sua vida. Sinto-os mais como imensos cemitérios sem sepulturas, assim como nós temos os nossos do dia a dia , com lápides ou cruzes para lembrarmos-nos dos nossos mortos, e como tal devem ser preservados (neles, além dos judeus morreram ciganos, deficientes físicos, "maquis" franceses, "partisans" italianos, comunistas em geral, resistentes poloneses...). Quanto a realimentarem o nazismo, para isto eles não são necessários; certos homens não esquecem o seu passado. Outro dia descobri que Kosovo é o nome da batalha onde em 1389 os Sérvios foram derrotados pelos turcos otomanos; mais de meio milênio passou-se e o ódio mútuo entre cristãos ortodoxos e muçulmanos continua até hoje. Abraços perplexos do Euclides.

* Bem - segundo o filósofo grego Platão, a idéia suprema do mundo das idéias. No diálogo "República", Sócrates a descreve para Glaucon: [... é minha opinião que nos derradeiros limites do mundo inteligível está a idéia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não pode se perceber sem concluir que ela é a causa universal de tudo que existe de bem e de belo, que no mundo sensível é ela que cria a luz e a ausência da luz; e que é necessário vê-la para se conduzir com sabedoria, tanto na vida privada quanto na vida pública...] - in Pequeno Dicionário de Filosofia e Ciência de Góes Monteiro de Oliveira, Pedro, pag. 8.

sábado, março 17, 2007

Cantiga

A linda rosa
Floresceu em pleno outono
No obscuro jardim
Da velha fotografia.
Cresceu triste, sem pomar,
Sem alegria, Sem cantar.
Um dia veio o jardineiro
De uma burguesa má, muito má,
Com sua tesoura de aço
E decepou a rosa assim,
Bem assim,
E ela adormeceu para sempre
Por não ter por que acordar.

segunda-feira, março 05, 2007

A CARTA





Dia cinzento e abafado
Depois do tempo perfeito de ontem;
Os aviões decolam
E passam sobre mim.


Mandei hoje de manhã
A seguinte carta:
Prezado Senhor...


O escorpião queria atravessar um rio
E como não soubesse nadar
Pediu ao sapo que o levasse em suas costas.


-Achas que sou um tolo? – disse o sapo
- Estando sobre meu lombo
Você poderá picar-me
Com teu venenoso ferrão
E eu serei um batráquio morto.


-Não seja estúpido, sapo,
-Replicou o escorpião
-Se eu assim o fizesse,
Tu afundarias na correnteza
E eu, contigo, me afogaria.


-Verdade - concordou o sapo
-Suba, mano, que num instante
Deixo-te na outra margem do rio.


Subiu o escorpião nas costas do sapo
E quando já ia este, sossegado,
Pelo meio da travessia,
Picou-o com o ferrão venenoso.


O sapo bradou:
-Louco! Insensato!
Por que fizeste isso?
Agora morreremos ambos, tu afogado,
E eu do teu veneno!
Que sentido há nisto?


E o escorpião disse para o sapo:


- Tu te esqueces, tolo,
Que antes de tudo sou um escorpião?
E que matar é a minha natureza, agindo assim
Estou apenas cumprindo o meu destino.
Realizando a minha missão?


E, deste modo, morreram os dois.


Depois, telefonei e a secretária disse
Que o senhor saíra e não voltaria,
Fora ver o quarto do filho. Ou da puta.
Com este e mais vários desaparecidos
Em breve não haverá mais um burgeois
Do outro lado da linha.


Outra carta:

Prezado Senhor...
Tenho de seguir
O meu destino
De escorpião
Mas também sou o sapo,
Tenho de atravessar a vida,
Chegar à outra margem:
Então, me diga,
Como fazer?
Como cruzar o rio
Sem me ferir?
É-me impossível
Evitar tal fato,
É preciso viver
O real,
É preciso louvar
O veneno,
É preciso amar
A travessia
Mesmo que esta seja
Interrompida.

sexta-feira, março 02, 2007

O Povo Das Ruas

Devido à nefanda política higienista adotada pela administração municipal (tanto a atual quanto a que lhe deu origem) acho oportuno o debate sobre a questão dos Sem Teto e aproveito para lembrar aos que me lêem que o nosso país é a pátria dos Sem; Sem Teto, Sem Terra, Sem Saúde, Sem Escola, Sem Comida, Sem Trabalho, etc..
Seria justo considerarmos como Sem Teto os favelados, os habitantes dos cortiços, os que moram de favor com parentes ou amigos...; porém vamos nos ater ao Povo das Ruas, que não é constituido apenas por mendigos mas, em grande parte, por pessoas que vendem sua força de trabalho em "bicos" temporários ou a empregam em serviços por conta própria como, por exemplo, a coleta de lixo reciclável.
Sabemos que os Sem Teto se constituem em um fato social complexo, que é real tanto no terceiro quanto no primeiro mundo; os EUA contam com cerca de 200.000 "Homeless" permanentes há mais de vinte anos e 700.000 transitórios, que se renovam a cada estação, enquanto que na Europa este número também beira o milhão. No Brasil, pelo último censo do IBGE (2005), temos um deficit de moradias da ordem de 7.000.000 de unidades, o que nos dá uma idéia da escala do problema.
Embora a miséria e a fuga do campo causada pela fome sejam componentes importantes desta questão, Também o são o desemprego, o sub-emprego, os salátios baixos, a violência doméstica, os desajustes familiares, o alcool e as drogas, crianças rejeitadas e idosos abandonados e, por que não, os de espírito livre e nômade, que não se adaptaram à nossa sociedade sedentária baseada na posse de bens físicos e conforto material.
Assim, estamos diante de um fenômeno tipicamente urbano, que será resolvido apenas parcialmente com o fim do deficit habitacional (o que poderá levar ainda anos ou mesmo décadas); de alguma maneira os direitos inerentes a cidadania têm de serem estendidos aos que continuarem, ou preferirem continuar nas ruas na forma de abrigos noturnos, assistência médica, psicológica e odontológica, amparo legal (direitos humanos), escolaridade, trabalho, tudo isto adaptado, quando for o caso, à cultura nômade de parte desta população.
Soluções criativas para tais problemas são inúmeras (como a do ex-boxeador Nilson Garrido que montou uma academia sob o viaduto do Bexiga), o importante é combater a mentalidade do atual Sátrapa da cidade e dos seus áulicos, como o sub-prefeito da Sé, que criminalizam os moradores de rua, tratam-os de forma autoritária, como se fossem uma escória humana e não como cidadãos em plena posse de seus direitos civís, construindo ridículos dispositivos "anti-mendigos", mantendo albergues com regime carcerário, tudo isto dentro da mentalidade reacionária e INADIMISSÍVEL das classes ditas superiores deste país de esconderem a fealdade, a pobreza e os miseráveis que eles próprios criaram.
E para finalizar este artigo, volto ao tema do deficit e das políticas habitacionais do nosso país pelos comentários do arquiteto italiano Giancarlo de Carlo (já falecido) sobre o CIAM ocorrido em 1928 em Frankfurt:
“Hoje, quarenta anos depois do congresso, constatamos que aquelas propostas transformaram-se em casas, bairros e subúrbios, e depois, em cidades inteiras, manifestação palpável de um abuso perpetrado de início com os pobres e em seguida com os não tão pobres assim; álibis culturais para a especulação econômica mais feroz e a incapacidade política mais obtusa. E, no entanto os “por quês” esquecidos com tanta freqüência em Frankfurt ainda têm dificuldades de assomarem à superfície. Ao mesmo tempo temos o direito de perguntar “por que” a moradia deve ser a mais barata possível e não, por exemplo, relativamente cara; “por que” em vez de fazer todo o esforço possível para reduzi-la a níveis mínimos de superfície, de espessura, de materiais, não deveríamos torná-la espaçosa, protegida, isolada, confortável, bem equipada, rica em oportunidades de privacidade, comunicação, intercâmbio, criatividade pessoal. Ninguém, na verdade, pode dar-se por satisfeito com uma resposta que apela para a escassez de recursos disponíveis, quando todos sabem o que se gasta nas guerras, na construção de mísseis, nos projetos de exploração da lua”... (no caso do Brasil, o que se gasta em juros, subsídios, corrupção; devemos nos perguntar como queremos que morem nossos trabalhadores e não quanto eles podem pagar por isto).
DE CARLO, Giancarlo. - “Legitimizing Architecture: the revolt and the frustration of the school of architecture”. In BEKAERT, G. (ed.), Forum, vol. 23 nº 1, 1972, p. 3-51.

Formalismo, Forma e Função

Mies van der Rohe dizia que a arquitetura era a arte da construção (Baukunst), que sua (dela) essência era o construir e que a arte era a manifestação última de sua perfeição tectônica. Sustentava também que a construção não apenas determinava a forma mas era ela mesmo a própria forma (um tanto redundante, não é verdade?). Não concordo totalmente com este postulado: evidentemente a forma surge da construção mas anteriormente a esta, ela foi imaginada, pensada; sua qualidade intrínseca independe do método construtivo e até de sua realização como objeto; ela é uma manifestação do intelecto.
Evidentemente a técnica construtiva transparece na forma (por exemplo, a pedra, a madeira, o concreto, o aço) mas a qualidade desta pertence ao reino das proporções, da sabedoria no uso da luz e dos materiais, pontos de apoio que cantam, da sua adequação ao meio ambiente, ao lugar.Parece-me que na arquitetura, damos forma à matéria com intenção estética, com o objetivo de construir abrigos para as atividades humanas. Já vimos que "a arquitetura é a arte da construção", ou seja, a forma arquitetônica surge da matéria bruta organizada sabiamente segundo a tecnologia utilizada. Mas o entendimento da forma precede a sua materialização, ela é, na arquitetura, uma criação intelectual construída sobre hipóteses previamente apreendidas. Acho que para entender-se a arquitetura enquanto sitema funcional, é necessário dispor-se de uma experiência anterior elaborada pelo entendimento; o que é uma casa, uma igreja, um palácio, um hospital. Assim sendo, nossa compreensão da relação entre forma e função é fundalmentalmente empírica. Mas arquitetura não se resume ao trinômio forma-função-construção: ela tem de relacionar-se corretamente com a vizinhança, com a paisagem, ou seja, respeitar a escala do lugar, adequar-se ao clima local, utlilizar com sabedoria a luz, o vento, a tradição construtiva local. A forma tem de ser significativa também em seus aspectos imateriais, arquetípicos, simbólicos, deve saber lidar com o mito, os ritos sociais, o sagrado e o mágico.E o formalismo? Como dizia Bernard Huet, "formalismo não é uma questão de forma"; Walter Benjamin ressaltava que "o fascismo é o maior dos formalismos pois ele pratica uma estetização dos anseios da sociedade a fim de mascarar os seus conflitos". É isto aí, o formalismo é a estetização burocrática da arquitetura, a tecnologia utilizada como um fim em si, a mera adequação dos espaços aos signos e ao imaginário do poder, sem levar em conta suas exigências sociais; o formalismo é a estética do mercantilismo, a redução da vida real a estilos ultrapassados ou alienígenas, alheios a nossa cultura.Enfim, estamos falando da forma em contraposição ao formalismo; o século passado nos oferece exemplos conclusivos de como a burguesia apreende rapidamente os códigos formalistas ligados à estética da dominação, do dinheiro, do "status social". O sucesso permanente do neo-classicismo é prova disto, mesmo nas versões tresloucadas de Albert Speer e Marcello Piacentini. Mas o formalismo que mais rapidamente se espalhou pelo mundo foi o chamado pós-modernismo; apesar da fragilidade do seu embasamento teórico e do evidente oportunismo dos seus fundadores, seu populismo barato, sustentado pela própria cultura norte-americana, causou uma destruição difícil de avaliarmos.A dimensão da catástrofe foi determinada pela extraordinária capacidade da mídia daquele país em influenciar globalmente os basbaques ávidos por aderirem ao "American way of life" e, principalmente, por que se tratava do primeiro movimento arquitetônico realmente "made in USA" (Frank Lloyd Wright foi um fenômeno isolado e único); e assim, um pequeno grupo de arquitetos charlatões conseguiu difundir suas idéias pelo mundo, com os seus imitadores de plantão infectando as cidades com obras caricatas que satisfizessem "os mercados" e agradassem "o gosto popular". Consumiu-se a arquitetura "Pop" como se consome as calças "jeans", a coca-cola, o hamburger, o chiclete, o rock'n roll, o "hot-dog", os filmes de Hollywood.Observando-se hoje estes acontecimentos das décadas de sessenta e setenta do século XX, podemos perceber o quanto era reacionário, como se encaixava perfeitamente no neo-conservadorismo nascente, este modelo do "kitsch", do mau gosto arrogante da classe média americana (apesar da impressão favorável que ele causou ao Príncipe Charles, lá em suas ilhas chuvosas). A verdade é que o movimento moderno esteve ligado, em suas origens, a um projeto socialista e com o enfraquecimento político das maiorias proletárias perante as forças da economia global e das "exigências" dos mercados, os atores culturais (principalmente os do terceiro mundo) ficaram ideologicamente fragilizados e profissionalmente dependentes, com o retraimento do Estado, e o avanço das elites dominantes e de suas fantasias estéticas.Na arquitetura dos países centrais do capitalismo, vemos hoje uma pesquisa de linguagem constante ou então uma procura de fundamentos formais e de método nas tecnologias ditas "de ponta" que não conseguem disfarçar o seu lado formalista, devido a ausência de uma ideologia que as sustente além dos fatores de produção e consumo (exceção, como sempre, para os Álvaro Siza, os José Luiz Mateo, os Herman Hertzberger,etc). Acho que nós, arquitetos da periferia do capitalismo, não podemos nos dar ao luxo desta reticência em enfrentar o real. Temos todo um território a organizar, cidades a reurbanizar, escolas, habitações, creches e postos de saúde a construirmos. Ao contrário da América do Norte e da Europa, que há anos estão derivando para a direita, a América do Sul parece estar buscando um caminho para diminuir suas diferenças sociais e aumentar a inclusão econômica e cultural de sua população. A hora de agirmos é esta.E por fim, a quem interessar possa, a frase famosa de Mies van der Rohe "God is in the detail", foi tomada emprestada de Gustave Flaubert, romancista francês: - "Le bon Dieu est dans le detail".
Euclides Oliveira