PALLADIO

sábado, setembro 20, 2008

O ADORMECER

Na minha cabeça
Adejando no espaço irreal
Em círculos concêntricos,
Volúveis,
Uma noção,
Uma certeza,
Uma razão,
Que emerge desapercebidamente
Para depois, caprichosamente,
Mergulhar no mar
Do inconsciente.

Fica um rendado
De palavras polissêmicas,
Imagens inconstantes,
Luzes impressas
Na retina da mente
Um pouco antes
De o sono chegar.

No reticulado semovente
De idéias virtuais
Afunda o meu ser
Quando de súbito uma voz
Ergue-se do passado
Calando-se em seguida.
Não, ela não me perturba mais.
Volto ao mergulho
Em águas profundas;
Passa um pensamento
Sem deixar seu rastro,
Um caleidoscópio me aparece
Nas pálpebras fechadas

E então vem o nada
Antes que chegue o portal
Do outro universo.

CHUVA

Chove em Sampa, na rua
Gotas de chuva estão a brilhar
Como vagalumes vagabundos, nos fachos dos faróis,
Milhares de lanternas vermelhas
Acendem-se e piscam nas avenidas.

A vida continua;
Apesar desta água toda
Os bares estão cheios
As vitrines resplandecentes
Os ônibus lotados.

Nas calçadas encharcadas
Guarda-chuvas que se tocam
Das gentes que passam apressadas.
Em meio ao povão, lá estou eu
Curtindo essa chuva que cai,
As nuvens baixas, amareladas
Pelo reflexo das luzes da cidade.

Uma pequena alegria me assalta
Assim, de chofre, no fim do dia,
Por ver a natureza desaguando
Sobre o concreto, o asfalto,
Sobre bancas, terraços e telhados.

E nada parece mudar. Nada?
Amanhã estarão nos jornais matinais
Notícias de enchentes, desabamentos,
Mortes por afogamento,
Mas por enquanto, isto não importa,
Enquanto piso nas poças d’água, feliz
Por ver a chuva assim cair
Nesta falsa noite de primavera
Que chegou sem se anunciar.

Mas que alegria é esta, penso,
Como posso pisar feliz
Nesta terra tão injusta
Onde a miséria explode em toda a parte,
Sob as vistas de automóveis blindados
De seguranças e meganhas armados?
Como ouso andar tranqüilo nesta metrópole
Violenta, onde os despossuídos são perseguidos,
Surrados pela polícia, mendigos são arrancados
Dos bairros finos para que não perturbem
A sensibilidade dos bem nascidos?
Como a presença diária
Da miséria que vejo a cada esquina
Pode levar-me, assim,
A aceitar esta exclusão,
Estas crianças pedindo pão?
Como pude conformar-me
Com esta vida tão provisória
Que leva esta gente, que coração
Fez-me esquecer do povo desta cidade?

sexta-feira, setembro 19, 2008

SOBRE MINHOCÕES...

Entra ano, sai ano e aqui em Sampa o “Minhocão” (elevado Costa e Silva) continua sendo. Apesar de condenado pela maioria dos colegas e rejeitado por boa parte dos cidadãos paulistanos, o monstrengo continua lá, incólume; não há prefeito que tenha a coragem de demoli-lo, temendo a piora do tráfego no eixo leste-oeste viário da cidade. Mas será que alguém duvida que sua remoção vá mesmo complicar o trânsito no centro expandido? Não será este um efeito desejável, pois levaria uma parte da população motorizada que cruza o centro histórico a deixar o seu carro em casa, passando a utilizar o transporte coletivo? A recuperação de uma artéria urbana significativa como a Rua Amaral Gurgel (com a conseqüente revitalização do seu entorno) não compensaria eventuais prejuízos à circulação de veículos particulares?

Relembrando o passado, quantas vezes não fiz grandes programas noturnos na Amaral Gurgel, na época "pré-minhocão", indo ao teatro (o Paiol?) e depois jantando no La Cocagne! Depois de sua construção nunca mais andei por aquelas bandas, a região tornou-se um dos espaços mais anti-urbanos, poluídos e perigosos da cidade.

Como não canso de repetir, não acho que haja solução viária baseada no transporte individual para São Paulo; o automóvel e sua infra-estrutura necessária já levaram a cidade ao limite da degradação urbana suportável. É ele, igualmente, o responsável pela invasão contínua das áreas rurais e silvestres adjacentes a nossa metrópole, por loteamentos suburbanos e condomínios fechados que destroem a boa relação espacial cidade-campo e levam consigo a poluição do ar e a decadência ambiental. Não nos esqueçamos que a nossa atmosfera não suportará, por muito tempo, a atual emissão de gazes e que o nosso próprio futuro neste planeta está ameaçado pela destruição desmedida da natureza pelo homem.

Mas, se parece tão óbvia a opção pelo transporte coletivo (metrô, ônibus e mesmo bonde), por que nossos administradores públicos não tomam as medidas cabíveis neste caso? A resposta é simples, temem desagradar a classe média e a alta (e o lobby da indústria automobilística), perdendo assim seus preciosos votos; mas esta situação não pode perdurar para sempre, uma hora haverá de aparecer um governante responsável que lance as bases de uma verdadeira política de transporte urbano que privilegie de maneira insofismável o que é público em detrimento do que é particular. Passo a enumerar algumas medidas que me ocorrem, que poderiam alterar a atual feição dos meios de transporte na cidade:

1 – Suspender-se qualquer tipo de obra viária que vise favorecer o transporte individual, tais como novas avenidas, túneis e viadutos, pistas extras nas marginais, etc., priorizando-se apenas a construção de corredores de ônibus. Os engarrafamentos de trânsito causados por esta medida desencorajariam, com certeza, o uso do automóvel. Um rodízio mais severo do que o atual também poderia ser útil, no caso.

2 – Ampliar-se significativamente a rede do metrô; começamos a construir o nosso ao mesmo tempo do que o da Cidade do México (também metrópole de 3º mundo) e hoje temos cerca de quarenta estações em nossas linhas enquanto que as dos mexicanos contam com mais de duzentas (que vergonha!). Acho, inclusive, que o Governo Federal, e não apenas o Estadual e o Municipal deveriam prover recursos para a ampliação das redes de metrô das principais metrópoles do país e sua integração com as ferrovias suburbanas.

3 – Reestudar-se à sério a volta do uso do bonde em determinadas regiões da cidade.

4 – Mais prosaicamente, permitir-se o estacionamento de veículos em ambos os lados das vias públicas. Tal medida, além de afunilar o trânsito de automóveis (desejável), traria maior proteção ao pedestre nas calçadas, pois desta maneira seria formada uma barreira física entre este e a rua. E por falar nisto, precisamos muito, mas muito mesmo, de mais faróis e faixas de pedestres nesta cidade; nela, morrem atropelados mais de dois cidadãos por dia, cerca de oitocentos por ano, trata-se de algo inadmissível.

5 – Os Códigos de Obras deveriam deixar de exigir vagas para estacionamento em edifícios para escritórios e congêneres e até mesmo para o comércio e lazer; construiriam garagens apenas os que assim o desejassem. O Fórum Internacional de Tóquio, para dezenas de milhares de freqüentadores, conta com apenas quarenta vagas para automóveis e em Viena vai-se a Ópera de metrô.

6 – Criarem-se mais ruas de pedestres nos centros de bairro e instituir-se a cobrança de pedágio para o veículo individual no centro histórico da cidade. E melhorarem-se de vez as frotas de ônibus, meu Deus, cujas empresas proprietárias se constituem como é de conhecimento público, em uma verdadeira máfia, que põe na rua veículos com quinze anos de idade ou mais.

Estas medidas não precisariam ser implantadas do dia para a noite, mas ao longo dos anos, desde que fundamentadas por uma sólida política de transporte coletivo para a cidade de São Paulo. Assim poderíamos derrubar o minhocão e outros viadutos que, definitivamente, não deveriam fazer parte da nossa paisagem urbana; por outro lado, tentaríamos substituir algumas das pontes medonhas que existem hoje sobre os rios Tietê e Pinheiros, por "obras de arte" sabiamente projetadas... Algo como menos Santiago Calatrava e mais Robert Maillart...

THE UNDISCOVER'D COUNTRY

Mãe, como foi o teu morrer?
Percebeste, em teu sono,
O momento do trespasse?
Sonhavas? Sonhaste muito
Enquanto dormias sedada
Naquele triste hospital na montanha?
No teu último instante
Viste uma luz brilhante
Ou tua consciência
Apagou-se e nada mais?
Por onde andará tua alma?
Ou não tinhas alma e tudo acabou?

Mãe, como foi o teu morrer?
Tiveste frio, tiveste medo,
Tiveste um frêmito, um espasmo,
Ou suavemente tua vida cessou?
Sentiste a vertigem de saltar no abismo
Ou a paz de um beduíno ao entrar no deserto?
Tu não querias mais acordar, mãe,
O que seria o que te prendia
Naquele pré-espaço da morte?
Clamaste por ela, quiseste ela?
Não ouviste os apelos dos teus?
Já não pertencias ao mundo dos vivos?

Mãe, como foi o teu morrer?
Simplesmente se morre e é só?
Com o que tu sonhavas
Quando chegou o teu último instante?
Sonhaste com o que passou?
Com teu passado tão longo,
Com teu presente de dor?
Sofreste? Sentiste saudade, amor,
Pelos que ficavam tão longe
Mesmo ao lado de ti?
Alguém veio te buscar,
Ou foste só para o nada?

Mãe, conta-me como morrer
Se puderes, pois minha moléstia
Continua retornando, reciclando-se
Como uma nódoa venenosa, em mim,
Preciso, necessito saber,
Mãe, conta-me como morrer,
Se melhor é no sono profundo
Ou de olhos bem abertos,
Despedindo-se do mundo;
Conta-me, conta-me como é o morrer...
Se é como o adormecer na noite,
Ou se é como o acordar na alvorada.

Mãe preciso, preciso saber
Como é o morrer, como é o caminho
De espinhos, como se chega ao tal portal
Da insondável eternidade; preciso
Saber se tu resististe ao teu fim,
Ou se ao contrário, tu ansiastes por ele.
Foi fácil? Foi difícil?
Ou simplesmente aconteceu?
Eu queria saber a morte
Antes de morrer, mãe,
Mas isto me é impossível vivo
E tu não voltarás para contar-me.

(De repente olho pela janela
E já é noite, o dia se foi).

quinta-feira, setembro 11, 2008

INSTANTE

De súbito,
Com a mão no trinco do portão
Fui tocado pelo raio de um sol
Que vagabundeava
Entre as nuvens de abril.
Assim aquecido,
Desejei que aquele instante
Se tornasse eterno;
Mas um sopro gelado esfriou-me o corpo
E aquela frágil réstia de luz,
Apagou-a o vento do outono.

ENVELOPES

Quem acompanha concursos públicos e revistas de arquitetura aqui no Brasil, deve ter observado que está visivelmente na moda entre os arquitetos tupiniquins, “envelopar” totalmente edifícios (como seus colegas d’além mar) com chapas perfuradas de aço corten, de alumínio, placas de granito, ripas de madeira, lâminas de cobre, etc.. Tal recurso é utilizado para conferir unidade à massa edificada e servir como meio de fornecer proteção solar e ventilação natural para os espaços internos do projeto, além do propósito evidente de conferir um ar de “contemporaneidade” à arquitetura, naturalmente.

Quando me deparo com mais uma destas edificações em algum “site” arquitetônico não posso deixar de pensar nas palavras do falecido arquiteto holandês Aldo van Eick: "Admiro o que é simples, mas a simplificação, eu a detesto". Evidentemente quem usa esta solução não precisa preocupar-se com composição de fachadas, aberturas, proteção solar, revestimento de empenas, estes problemas que pedem atenção na arquitetura corrente; ou seja, adota-se um partido que simplifica vários procedimentos inerentes ao processo de detalhar-se o exterior de um edifício. Ainda não vi nenhum destes projetos executados aqui por Sampa, mas me pergunto: como se comportará uma massa virtualmente opaca, uma espécie de “caixa preta” diante da sua vizinhança, de que maneira poderá se relacionar amistosamente com seu entorno, com a população, com seus usuários? Difícil não?

Há algum tempo atrás, folheando uma L’Architecture d’Aujourd’hui antiga deparei-me, por puro acaso, com um projeto no qual o arquiteto francês Jean Nouvel “envelopa” um centro cultural (em St. Herblain, no Loire-atlantique) com chapas de aço perfuradas, projeto este que já estava concluído em junho de 1989, uma década antes que o emblemático pavilhão da W. H. Oosten de Steven Holl, em Amsterdã, se transformasse em ícone deste curioso maneirismo estético.

Ressalve-se, no entanto que, ao passo que o pequeno volume construído de Holl tem a cor agradável do cobre patinado em verde, o Nouvel teve a infelicidade de pintar o seu (de escala muito maior) de preto, transformando-o em um cubo opaco que a AA classifica como “tenebroso”, descendo-lhe o pau sem cerimônia ou complacência. E o resultado é mesmo uma negação do “construir”, feio, indefinido, um objeto sem significado largado em meio ao asfalto de um imenso estacionamento sem uma árvore sequer. Traduzo o finalzinho da matéria:

"há outro cubo negro: a Ka’aba de Meca, que abriga em seu seio a pedra do sacrifício de Abraão, a pedra sobre a qual o pai iria imolar seu filho se não fosse a intervenção do deus. A Ka’aba não é um signo, mas um mistério, uma celebração, a fundação de um culto. Sua vestimenta (sic) negra é a afirmação da impossibilidade de representar-se aquilo que não pode ser visualizado. A Ka’aba de St. Herblain foi concebida para que nela se façam representações profanas. Sua cor é uma negação em si, ela é um objeto arquitetônico onde a luz foi sacrificada no altar de uma indefinida e vã perfeição.
Decididamente este não é um edifício inocente. Não se sabe se o que se esconde em Saint-Herblain, sob o aspecto de um cubo provocante atirado sobre um lago de asfalto, é o sacrifício da modernidade ou um drama da razão..."


Para nós, latino-americanos, este certamente é um drama de colonização tardia, nada temos na nossa cultura e na nossa história que justifique estes cacoetes formalistas importados que fazem a feição da cidade neoliberal, ainda mais quando provenientes de pseudo-vanguardas que há muito abandonaram seu caráter revolucionário, tendo sido cooptadas pelo capital especulativo imobiliário.

(Em tempo, o uso da chapa metálica perfurada em si não me desagrada, tanto que já a utilizei algumas vezes como “brise-soleil” (na verdade desde 1977, em um projeto para a EMURB no Jabaquara) em fachadas orientadas para o leste ou o oeste, em placas verticais de dupla face móveis, com dimensões tipo 1,25 x 2,50 ou 3 m, mas nunca vedando todas as fachadas da edificação).

SOBRE HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL

No que diz respeito à minha geração de arquitetos, bem cedo descobrimos que a arquitetura não mudaria o mundo, que a estrutura econômica vigente não permitiria a justa e definitiva solução da questão da "habitação social", tão sonhada pelos modernistas “heróicos”. Em seu livro “O Urbanismo”, Françoise Choay comenta a posição de Friedrich Engels sobre o assunto: [... ”Engels recusa, portanto, os modelos socialistas utópicos, cujo pensamento compara, neste aspecto, aos dos capitalistas exploradores do proletariado. Além disso ele repele o método geral dos modelos, não por razões de facilidade, mas por desconfiança a respeito das construções a priori e porque se recusa radicalmente a separar a questão do alojamento do seu contexto econômico e político”...]¹. Neste sentido Engels não deixa de ter razão; no entanto mais de um século já se passou desde a publicação de “A Questão do Alojamento” e acho que não se justifica a atitude de cruzarmos os braços e ficarmos esperando eternamente por uma revolução proletária para resolver o problema da habitação social, deixando de lado as ações possíveis, baseadas na realidade deste momento da história. Certamente assim não estaremos mudando o mundo, mas trabalhando, pelo menos, para deixá-lo um pouco menos injusto.

No meu modo de ver, em primeiro lugar vem a questão fundiária, que cabe ao Estado dar uma solução baseada no interesse e na inclusão social. Há favelados que moram no mesmo lugar por cinco, dez, vinte, quarenta anos seguidos e não possuem título de posse da terra - tais situações tem de ser definitivamente regularizadas. No entanto, de maior importância ainda seria que os governos municipais cessassem com os atos selvagens de remoção de favelas a pedido de empresários do setor imobiliário ou demoradores dos bairros ditos "nobres".

No rol das ações possíveis, a autoconstrução financiada pelo Estado é uma solução para as classes de baixíssima renda, dispensando inclusive o projeto arquitetônico tradicional, ficando o papel do arquiteto voltado para a implantação correta das habitações e a um cuidadoso plano de parcelamento do solo, tendo em vista a necessidade da articulação das novas edificações com o tecido urbano existente, a criação de espaços públicos adequados, sua inserção no contexto da vizinhança, o respeito à paisagem e ao meio-ambiente, à segurança geológica, etc. Enfim, não se pode prescindir de um plano urbano abrangente, que não contemple apenas o uso do solo e um sistema viário mínimo.

Há anos nossas entidades de classe vêm batalhando por esta modalidade de planejamento e contra a exclusão física dos conjuntos habitacionais de interesse social da cidade real - mas infelizmente, nem estas entidades nem a classe dos arquitetos e urbanistas têm força política neste país. No atual governo, pelo menos, o ministério das cidades vem promovendo consultas à comunidade e grupos interessados para a elaboração de um Plano Nacional de Habitação, ação participativa esta que jamais ocorreu nos governos anteriores, quando a política habitacional era imposta de cima para baixo, com os resultados lamentáveis que estão aí, à vista de todos

Voltando à autoconstrução (em se supondo como resolvida a parte fundiária), acho que o financiamento do Estado poderia ser direto ao cidadão, sem uma incorporadora e/ou construtora como intermediária, encarecendo e burocratizando o processo. O dinheiro seria liberado em parcelas, na aquisição do material de construção e para o pagamento da mão de obra necessária. Tenho minhas reservas quanto ao uso habitual do mutirão, pois a construção civil ainda é a maior fonte de trabalho para o operário não especializado, ainda numeroso neste país, e o mutirão, embora socialmente solidário, não gera emprego². Assim sendo, um esquema de financiamento público que contemplasse a possibilidade de contratação direta da mão de obra pelo mutuário, estaria também contribuindo para resolver o problema de emprego em sua comunidade.

Em outras palavras, o futuro morador compraria, sem intermediários, o material de construção para a sua casa própria por meio de uma carta de crédito de um agente financeiro do Estado e contrataria um pedreiro e ajudantes da sua confiança para o serviço, com o dinheiro do financiamento e sem "gatos" no caminho. Fiscalização e apoio técnico ficariam a cargo das prefeituras, cujos funcionários seriam liberados de funções meramente burocráticas para realizarem um trabalho socialmente relevante.

Outro aspecto do sistema vigente de HIS que questiono é a obrigatoriedade do trabalhador se tornar proprietário do imóvel financiado pelo Estado. Por que não alugá-lo? Se o operário, ou o comerciário, precisam de mobilidade para conseguir emprego, para buscarem melhores condições de trabalho, por que, então, limitá-los pela propriedade física de um imóvel? Imaginem o problema de um cidadão que tem uma HIS e trabalha em Guarulhos, que é despedido do seu emprego e em seguida acha uma colocação para si em uma fábrica em Itapecerica da Serra. Certamente ele irá ficar em uma "sinuca de bico" ou decide vender a propriedade, pela qual ainda está pagando, na "bacia das almas", ou resolve atravessar diariamente esta metrópole engarrafada, ou ainda opta por esperar uma vaga mais perto do seu lar, ficando assim desempregado por um bom tempo.

Não seria mais razoável o Estado fazer uma carteira de interessados e construir (ou reformar) prédios com apartamentos - ou casas - para aluguel em vários bairros e em múltiplas cidades deste país? E o sistema ser concebido de tal forma que o inquilino depois de pagar 20 ou 25 anos de aluguel, se tornasse proprietário do último imóvel locado, o que provavelmente coincidiria com a sua aposentadoria? A mesma coisa aconteceria em caso de morte ou incapacitação do chefe da família, esta última se tornaria proprietária do imóvel ocupado - ou de outro dentro do sistema. Não parece mais adequado, mais lógico?

A origem disto tudo é que o antigo Sistema Nacional de Habitação foi fundado durante a ditadura militar e tinha o objetivo ideológico subliminar de transformar o proletariado em uma classe de pequenos proprietários, esperando-se com isso diminuir seu potencial "revolucionário". Hoje isto pode parecer ridículo, mas acreditem, era este o pensamento de políticos, militares e burocratas em geral há algumas décadas atrás. Então, acho mais razoável como política habitacional, mesclar-se a construção de imóveis para aluguel com imóveis para aquisição definitiva dentro de uma proporção adequada entre uns e outros.

Quanto a São Paulo, especificamente, a reforma e ocupação para uso habitacional dos imóveis vazios e frequentemente deteriorados do seu centro histórico, me parece ser uma solução urbana eficaz para o problema da habitação de interesse social. O comércio (inclusive o popular) é numeroso na região, que é acessível por duas linhas de metrô, trens da CPTM e corredores de ônibus que terminam em dois terminais urbanos de grande porte.
O acesso dos futuros moradores ao emprego e aos equipamentos urbanos de qualidade (escolas, bibliotecas, parques e praças,etc.) existentes no centro certamente elevaria a qualidade de vida da população lá residente.

A burguesia não voltaria para um centro revitalizado por sua ojeriza às demais classes sociais? Pois que fiquem em seus bairros macaqueados como parte de uma “global city” por aqui inexistente. Atualmente o centro tem a vocação urbanística de local ideal de moradia para as classes de menor renda, o Estado deveria aplicar, no caso, o capítulo da responsabilidade social da propriedade privada constante em nossa Constituição para desapropriar as centenas de imóveis abandonados (do primeiro andar para cima, o térreo é sempre alugado para o comércio), para reformá-los e destiná-los às habitações de interesse social.

1- Marx e Engels andavam as turras (quase sempre)com Proudhon e seus discípulos socialistas, e nesta briga entrou a questão da habitação operária, que este último pretendia resolver de uma maneira "paternalista", segundo Choay.

2- A meu ver, o maior benefício do mutirão é político e não econômico; ele serve para demonstrar às comunidades o que eles podem realizar ou conquistar, quando unidos em torno de um objetivo comum.