CHUVA
Gotas de chuva estão a brilhar
Como vagalumes vagabundos, nos fachos dos faróis,
Milhares de lanternas vermelhas
Acendem-se e piscam nas avenidas.
A vida continua;
Apesar desta água toda
Os bares estão cheios
As vitrines resplandecentes
Os ônibus lotados.
Nas calçadas encharcadas
Guarda-chuvas que se tocam
Das gentes que passam apressadas.
Em meio ao povão, lá estou eu
Curtindo essa chuva que cai,
As nuvens baixas, amareladas
Pelo reflexo das luzes da cidade.
Uma pequena alegria me assalta
Assim, de chofre, no fim do dia,
Por ver a natureza desaguando
Sobre o concreto, o asfalto,
Sobre bancas, terraços e telhados.
E nada parece mudar. Nada?
Amanhã estarão nos jornais matinais
Notícias de enchentes, desabamentos,
Mortes por afogamento,
Mas por enquanto, isto não importa,
Enquanto piso nas poças d’água, feliz
Por ver a chuva assim cair
Nesta falsa noite de primavera
Que chegou sem se anunciar.
Mas que alegria é esta, penso,
Como posso pisar feliz
Nesta terra tão injusta
Onde a miséria explode em toda a parte,
Sob as vistas de automóveis blindados
De seguranças e meganhas armados?
Como ouso andar tranqüilo nesta metrópole
Violenta, onde os despossuídos são perseguidos,
Surrados pela polícia, mendigos são arrancados
Dos bairros finos para que não perturbem
A sensibilidade dos bem nascidos?
Como a presença diária
Da miséria que vejo a cada esquina
Pode levar-me, assim,
A aceitar esta exclusão,
Estas crianças pedindo pão?
Como pude conformar-me
Com esta vida tão provisória
Que leva esta gente, que coração
Fez-me esquecer do povo desta cidade?
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