ARQUITETURA X MEIO-AMBIENTE
Lembro aqui que os bons arquitetos brasileiros sempre estiveram preocupados com a relação entre suas obras e o meio ambiente, a paisagem, com a criação e preservação de áreas verdes, o conforto térmico e a ventilação e iluminação naturais dos espaços construídos, etc. No entanto, estamos assistindo na mídia em geral, a banalização da questão da construção “sustentável” como se esta pudesse ser equacionada em termos de fórmulas e receitas de arquiteturas ecologicamente corretas, sem levar em conta o meio urbano onde elas se inserem, os mecanismos de produção capitalista da edificação e o trato da habitação como uma mercadoria a ser vendida como um bem de consumo qualquer (além da exploração desenfreada do homem e da natureza pelo sistema econômico-social vigente).
Assim, estamos começando a ver grandes incorporadoras e empreiteiras fazerem a promoção dos seus condomínios de luxo como " sustentáveis" por que usam água da chuva para a descarga das privadas e "energeticamente suficientes" porque suas piscinas são aquecidas por um coletor solar. Esta maneira de abordar o assunto (a casinha ecologicamente correta) acabará por levar o problema real para o lugar comum da "moda" do momento, destinado a ser esquecido após uma temporada de "sucesso" midiático.
A questão ecológica é hoje, fundamentalmente, uma questão de Política Internacional. Os países ditos "do primeiro mundo" desenvolveram-se explorando brutalmente a natureza (e os países do terceiro mundo), até chegarmos ao ponto atual de saturação do meio ambiente, prejudicando, assim, as possibilidades de real crescimento social e econômico das nações da periferia do capitalismo. Os estados "ricos" hoje querem manter seu padrão de consumo e nível de vida à custa da estagnação dos estados ditos "em desenvolvimento", pois nossa atmosfera não suportaria mais o crescimento do seu atual grau de poluição. Esta injusta desigualdade material não pode ser mantida em nome da ecologia - há que se buscar um acordo em que os primeiros abram mão de parte de seus privilégios para que os segundos possam se desenvolver sem maiores danos ao meio-ambiente. Combustíveis fósseis, monoculturas, bio-energia, desmatamento, sustentabilidade, tudo isto deve ser discutido, mas com base nesta premissa.
Li há pouco tempo uma entrevista com Rajendra Pachauri (Prêmio Nobel da Paz), onde ele diz textualmente que "países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, têm que cuidar de seus interesses mais urgentes, como o desenvolvimento e o combate à pobreza... Não é justo exigir destes países a mesma responsabilidade na preservação do ambiente que dos países desenvolvidos, que estão em outro estágio de conforto e progresso. A comunidade internacional precisa entender que as responsabilidades não podem ser divididas em partes iguais". Acho que a despolitização do debate pode levar a questão ecológica, como já disse, a mero modismo destinado a cair no esquecimento das causas banalizadas por sua abordagem superficial, esquecimento este que só interessa aos grandes poluidores da atmosfera, como os EUA e o Japão. Outro lado alarmante deste assunto é a sua "financeirização" pelo capital especulativo, com os tais "créditos de carbono" negociados em bolsas de valores e mercados futuros por fundos e corretoras; eis aí mais um fator complicador da questão, com estes papéis, com o selo da ecologia, sujeitos às negociatas e às crises sistêmicas do capitalismo.
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Comenta-se também que há no momento um excesso de consumo, por parte da humanidade, prejudicial ao meio-ambiente; frizo, no entanto, que apenas uma parcela muito reduzida da população do mundo tem acesso a este nível de consumo desenfreado de bens supérfluos. Vivemos em um planeta onde dezenas de milhões de seus habitantes padecem com a fome endêmica, onde a cada 5 segundos uma criança morre por desnutrição, o que resulta em 12 mortes por minuto, perfazendo um total de 720 por hora e, conseqüentemente, 17.280 por dia, mais de 6 milhões por ano (fonte: "Médicos sem Fronteiras"). Isto sem contar as mortes por doenças infecciosas (devido à falta de infra-estrutura e saneamento urbanos), catástrofes da natureza, epidemias, pragas, guerras... Insisto que, subjacente a esta onda de "sustentabilidade" midiática, selos verdes, créditos energéticos, está a intenção dos países centrais do capitalismo em frearem o crescimento do terceiro mundo, a fim de manterem seu consumo "normal", sem o risco de outros estados desenvolverem-se ameaçando a "sua" atmosfera. Para mim, uma sociedade "ecologicamente correta" terá de incluir o acesso de todos os seus membros à alimentação farta e sadia, à moradia decente, à educação e cultura continuadas. Diante desses fatos, discussões do tipo “construir com garrafas pet" são “conversa para boi dormir".
E para finalizar pergunto: as 12 mil bombas nucleares guardadas nos arsenais dos “grandes” por acaso não se constituem em ameaça (gravíssima) ao meio-ambiente? Nunca vi este assunto discutido nos fóruns sobre ecologia ou pela mídia. Estranho, não?
Dados acrescentados em 26/03/08
Levantamento da UNICEF em 2005 - no nosso planeta existem:
- 640 milhões de crianças morando em sub-habitações,
- 500 milhões de crianças vivendo sem saneamento básico,
- 400 milhões de crianças sem acesso à água potável,
- 300 milhões de crianças sem acesso à informação (rádio, TV, etc.),
- 270 milhões de crianças sem seviços de saúde disponíveis,
- 140 milhões de crianças que nunca foram à escola,
- 90 milhões de crianças que sofrem de desnutrição grave.
Sem comentários.
4 Comments:
Nossa,eu adorei o seu questionamento envolvendo as classes sociais e a camuflagem que a politica faz em torno dos sistemas "sustentáveis mentirosos" muito booaa! Eu sou aluna de arquitetura e estou no 1º ano e acho isso muito legal, parabens, quero ser assim como você ;D
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Anónimo, at 4:24 da tarde
Este comentário foi removido pelo autor.
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Unknown, at 4:32 da tarde
Simplesmentee você tem a visão de mundo que acredito ser o mais realista possível em relação ao que vivemos hoje em dia. Essa ideia de que a questão ecológica não passa de uma questão política Internacional é explendida. Também sou aluna do 1º ano de Arquitetura e através de uma pesquisa para um trabalho da faculdade,fiquei impressionada com suas ideias. Parabéns [2] tbm queroo ser assim ^^
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Anónimo, at 4:32 da tarde
Gostei!! ... poderia indicar outros sites para consulta do mesmo assunto?
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larissa, at 10:00 da manhã
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