PALLADIO

terça-feira, abril 15, 2008

CARTA AO ARQUITETO HUMBERTO ORTIZ

Prezado colega Humberto Ortiz; ao ler o seu excelente artigo sobre o “arranha-céu” a ser construído em Lomas de Chapultepec, na Cidade do México, não pude deixar de recordar outro artigo recém publicado no Vitrúvius (Arquitextos 095), de autoria de Luis Fernando Janot, que abordava o mesmo tema embora de maneira um pouco mais genérica. Em suma, referia-se ele às municipalidades que, para inserirem-se no “mercado global”, tratam de erigir vistosos monumentos arquitetônicos que possam se constituir em referência universal do lugar, às custas de solucionarem os problemas urbanos reais de suas comunidades. Para isto, arquitetos do “Star-System” mundial são contratados a peso de ouroa fim de deixarem sua “marca”, muitas vezes bizarra e escandalosa, no Burgo que os convocou.

Lamento profundamente que isto esteja acontecendo em um país com uma tradição cultural tão vasta e significativa como o México, e logo pelas mãos do Rem Koolhaas, que considero apenas um oportunista ambicioso com algum talento e muita habilidade em seu “self-marketing” de “Super-Star”.

Mas veja arquiteto Ortiz, no Rio de Janeiro, há alguns anos atrás, um sátrapa desvairado (o prefeito César Maia) contratou o Jean Nouvel (outro oportunista histórico) para fazer o projeto da sede do Guggenheim no Brasil; pois bem, ao vir ao conhecimento público o estudo do museu (muito infeliz, uma mescla de folclore kitsch com um “high-tech” exibicionista), a revolta no meio arquitetônico foi tal que nosso alcaide desistiu da empreitada, mas não sem antes pagar cerca de 2 milhões de dólares ao colega francês por um estudo em um país onde se paga 10 mil dólares pelo projeto de arquitetura completo de um grupo escolar. A verdade é que há uma mitificação injustificada destes arquitetos “globais”; eu, por exemplo, não trocaria uma ponte do Robert Maillart por cinco do Santiago Calatrava.

Quanto à miséria humana (esta sim, global), que você contrapõe ao desperdício brutal de recursos em arquiteturas supérfluas, o que dizer a mais sobre tal questão? Vivemos em um planeta onde dezenas de milhões de seus habitantes padecem com a fome endêmica, onde a cada 5 segundos uma criança morre por desnutrição grave, o que resulta em 12 mortes por minuto, perfazendo um total de 720 por hora e, conseqüentemente, 17.280 por dia, ou sejam, mais de 6 milhões de óbitos por ano (fonte: "Médicos sem Fronteiras").

Quanto ao “arranha-céu do Koolhaas, faço votos para que os arquitetos da Cidade do México consigam unir-se e demover o seu prefeito desta aventura “gobal” e elitista.

Boa sorte,

Euclides Oliveira

(Esta carta foi publicada originalmente no portal Vitrúvius).

1 Comments:

  • Caro Quica,

    Gostei muito dos seus comentários, nada a acrescentar, apenas precisando um dado, são cerca de 800 milhões de pessoas famintas, e não apenas algumas dezenas de milhões. Dados de 2008.

    beijos da irmã

    Rosa

    By Anonymous Anónimo, at 11:37 da tarde  

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