PALLADIO

quinta-feira, setembro 11, 2008

ENVELOPES

Quem acompanha concursos públicos e revistas de arquitetura aqui no Brasil, deve ter observado que está visivelmente na moda entre os arquitetos tupiniquins, “envelopar” totalmente edifícios (como seus colegas d’além mar) com chapas perfuradas de aço corten, de alumínio, placas de granito, ripas de madeira, lâminas de cobre, etc.. Tal recurso é utilizado para conferir unidade à massa edificada e servir como meio de fornecer proteção solar e ventilação natural para os espaços internos do projeto, além do propósito evidente de conferir um ar de “contemporaneidade” à arquitetura, naturalmente.

Quando me deparo com mais uma destas edificações em algum “site” arquitetônico não posso deixar de pensar nas palavras do falecido arquiteto holandês Aldo van Eick: "Admiro o que é simples, mas a simplificação, eu a detesto". Evidentemente quem usa esta solução não precisa preocupar-se com composição de fachadas, aberturas, proteção solar, revestimento de empenas, estes problemas que pedem atenção na arquitetura corrente; ou seja, adota-se um partido que simplifica vários procedimentos inerentes ao processo de detalhar-se o exterior de um edifício. Ainda não vi nenhum destes projetos executados aqui por Sampa, mas me pergunto: como se comportará uma massa virtualmente opaca, uma espécie de “caixa preta” diante da sua vizinhança, de que maneira poderá se relacionar amistosamente com seu entorno, com a população, com seus usuários? Difícil não?

Há algum tempo atrás, folheando uma L’Architecture d’Aujourd’hui antiga deparei-me, por puro acaso, com um projeto no qual o arquiteto francês Jean Nouvel “envelopa” um centro cultural (em St. Herblain, no Loire-atlantique) com chapas de aço perfuradas, projeto este que já estava concluído em junho de 1989, uma década antes que o emblemático pavilhão da W. H. Oosten de Steven Holl, em Amsterdã, se transformasse em ícone deste curioso maneirismo estético.

Ressalve-se, no entanto que, ao passo que o pequeno volume construído de Holl tem a cor agradável do cobre patinado em verde, o Nouvel teve a infelicidade de pintar o seu (de escala muito maior) de preto, transformando-o em um cubo opaco que a AA classifica como “tenebroso”, descendo-lhe o pau sem cerimônia ou complacência. E o resultado é mesmo uma negação do “construir”, feio, indefinido, um objeto sem significado largado em meio ao asfalto de um imenso estacionamento sem uma árvore sequer. Traduzo o finalzinho da matéria:

"há outro cubo negro: a Ka’aba de Meca, que abriga em seu seio a pedra do sacrifício de Abraão, a pedra sobre a qual o pai iria imolar seu filho se não fosse a intervenção do deus. A Ka’aba não é um signo, mas um mistério, uma celebração, a fundação de um culto. Sua vestimenta (sic) negra é a afirmação da impossibilidade de representar-se aquilo que não pode ser visualizado. A Ka’aba de St. Herblain foi concebida para que nela se façam representações profanas. Sua cor é uma negação em si, ela é um objeto arquitetônico onde a luz foi sacrificada no altar de uma indefinida e vã perfeição.
Decididamente este não é um edifício inocente. Não se sabe se o que se esconde em Saint-Herblain, sob o aspecto de um cubo provocante atirado sobre um lago de asfalto, é o sacrifício da modernidade ou um drama da razão..."


Para nós, latino-americanos, este certamente é um drama de colonização tardia, nada temos na nossa cultura e na nossa história que justifique estes cacoetes formalistas importados que fazem a feição da cidade neoliberal, ainda mais quando provenientes de pseudo-vanguardas que há muito abandonaram seu caráter revolucionário, tendo sido cooptadas pelo capital especulativo imobiliário.

(Em tempo, o uso da chapa metálica perfurada em si não me desagrada, tanto que já a utilizei algumas vezes como “brise-soleil” (na verdade desde 1977, em um projeto para a EMURB no Jabaquara) em fachadas orientadas para o leste ou o oeste, em placas verticais de dupla face móveis, com dimensões tipo 1,25 x 2,50 ou 3 m, mas nunca vedando todas as fachadas da edificação).