ENVELOPES
Quando me deparo com mais uma destas edificações em algum “site” arquitetônico não posso deixar de pensar nas palavras do falecido arquiteto holandês Aldo van Eick: "Admiro o que é simples, mas a simplificação, eu a detesto". Evidentemente quem usa esta solução não precisa preocupar-se com composição de fachadas, aberturas, proteção solar, revestimento de empenas, estes problemas que pedem atenção na arquitetura corrente; ou seja, adota-se um partido que simplifica vários procedimentos inerentes ao processo de detalhar-se o exterior de um edifício. Ainda não vi nenhum destes projetos executados aqui por Sampa, mas me pergunto: como se comportará uma massa virtualmente opaca, uma espécie de “caixa preta” diante da sua vizinhança, de que maneira poderá se relacionar amistosamente com seu entorno, com a população, com seus usuários? Difícil não?
Há algum tempo atrás, folheando uma L’Architecture d’Aujourd’hui antiga deparei-me, por puro acaso, com um projeto no qual o arquiteto francês Jean Nouvel “envelopa” um centro cultural (em St. Herblain, no Loire-atlantique) com chapas de aço perfuradas, projeto este que já estava concluído em junho de 1989, uma década antes que o emblemático pavilhão da W. H. Oosten de Steven Holl, em Amsterdã, se transformasse em ícone deste curioso maneirismo estético.
Ressalve-se, no entanto que, ao passo que o pequeno volume construído de Holl tem a cor agradável do cobre patinado em verde, o Nouvel teve a infelicidade de pintar o seu (de escala muito maior) de preto, transformando-o em um cubo opaco que a AA classifica como “tenebroso”, descendo-lhe o pau sem cerimônia ou complacência. E o resultado é mesmo uma negação do “construir”, feio, indefinido, um objeto sem significado largado em meio ao asfalto de um imenso estacionamento sem uma árvore sequer. Traduzo o finalzinho da matéria:
"há outro cubo negro: a Ka’aba de Meca, que abriga em seu seio a pedra do sacrifício de Abraão, a pedra sobre a qual o pai iria imolar seu filho se não fosse a intervenção do deus. A Ka’aba não é um signo, mas um mistério, uma celebração, a fundação de um culto. Sua vestimenta (sic) negra é a afirmação da impossibilidade de representar-se aquilo que não pode ser visualizado. A Ka’aba de St. Herblain foi concebida para que nela se façam representações profanas. Sua cor é uma negação em si, ela é um objeto arquitetônico onde a luz foi sacrificada no altar de uma indefinida e vã perfeição.
Decididamente este não é um edifício inocente. Não se sabe se o que se esconde em Saint-Herblain, sob o aspecto de um cubo provocante atirado sobre um lago de asfalto, é o sacrifício da modernidade ou um drama da razão..."
Para nós, latino-americanos, este certamente é um drama de colonização tardia, nada temos na nossa cultura e na nossa história que justifique estes cacoetes formalistas importados que fazem a feição da cidade neoliberal, ainda mais quando provenientes de pseudo-vanguardas que há muito abandonaram seu caráter revolucionário, tendo sido cooptadas pelo capital especulativo imobiliário.
(Em tempo, o uso da chapa metálica perfurada em si não me desagrada, tanto que já a utilizei algumas vezes como “brise-soleil” (na verdade desde 1977, em um projeto para a EMURB no Jabaquara) em fachadas orientadas para o leste ou o oeste, em placas verticais de dupla face móveis, com dimensões tipo 1,25 x 2,50 ou 3 m, mas nunca vedando todas as fachadas da edificação).
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