PALLADIO

sexta-feira, janeiro 30, 2009

SOBRE URBANISMO - PARTE II

Arte Urbana, Projeto Urbano ou Urbanidade?
por Pierre Lucain



A forma urbana nunca foi plenamente apreendida pelos arquitetos, que por muito tempo foram mais sensíveis a problemática existente nos grandes projetos estruturadores das cidades do que a problemática inerente aos tecidos vernaculares que se constituem no corpo vivo de qualquer aglomeração urbana. Esta miopia, devido à falta de uma visão global do fenômeno em questão, deve ser criticada porque geralmente refere-se às grandes intervenções efetuadas nos centros históricos das cidades. Assim, apenas os centros acabam sendo considerados para revitalização, e para muitos, reforma urbana significa tão somente a reforma da área central da cidade. É verdade que o centro é frequentemente a imagem e o símbolo da cidade, mas, na realidade ele é tão somente um bairro especial dentro da área urbana. (Pierre Lucain reivindica aqui um enfoque mais minimalista para as intervenções urbanas – seu maior criticismo provavelmente se dirige aos projetos faraônicos de renovação urbana do tipo das efetuadas na “City” e nas docas de Londres, por arquitetos como Norman Foster, Richard Rogers, César Pelli, etc.).

A QUARTA DIMENSÂO

A obra de Bacon, “Design of Cities”, uma das raras obras contemporâneas que lidam com o projeto urbano, exprime bem essa visão (8). O espaço urbano no qual ele analisa os vários conceitos históricos ou culturais é sempre um espaço central, que considera um espaço vernacular exótico. Na realidade, Bacon está mais interessado na monumentalidade do que na natureza do espaço urbano, mas não é a monumentalidade o apanágio dos centros das cidades? Não, muitos como Bacon tropeçam neste ponto, porque o espaço central, assim como as funções que ele assume, é heterogêneo por natureza e a monumentalidade é apenas uma de suas dimensões. Algumas cidades, principalmente as cidades norte-americanas, têm seus centros desprovidos de qualquer monumentalidade, mas com espaços centrais muito interessantes, o que implicaria em uma dicotomia entre espaços centrais e monumentalidade, dicotomia esta da qual Sitte estava bem ao par, quando ele criticava o abuso praticado em sua época no uso dos espaços “Haussmanianos” que considerava incapazes de serem monumentais ou sociais. Um autor mais contemporâneo, Colin Rowe, nega esta dicotomia (9) jogando com a ambigüidade da dupla função dos espaços maiores, a social e a semântica. Rowe baseia sua concepção na possibilidade de que muitos monumentos antigos tiveram de dissolver-se no tecido urbano, tornando-se, eventualmente, espaços vernaculares, deduzindo então, como Bacon o fizera anteriormente, que cidades devem ser estruturadas por grandes composições.

(Já Leonardo Benévolo, em sua “Formação da Cidade Européia”, considera que a “Haussmanização” induz à destruição dos centros históricos, e que, ao contrário do que afirma Rowe, os monumentos emergem deslocados do novo tecido formado. [... ”Da destruição são excluídos edifícios antigos mais importantes que a história da arte classifica como documentos históricos e modelos dos estilos restropectivos para a nova construção civil e que a consciência coletiva considera indispensáveis para a caracterização dos lugares. Estes edifícios são isolados e utilizados como focos perspectivos dos novos espaços urbanos onde, todavia, acabam por deixarem de se destacar porque a novas construções, mais densas, imitam suas dimensões. Tornam-se monumentos separados do ambiente urbano, tal como no museu as obras de arte estão separadas do circuito cotidiano de fruição. Nesta situação a arte começa a separar-se da vida,o ambiente quotidiano começa a ficar mais pobre e a beleza transfere-se para a esfera do entretenimento, do tempo livre”...]).

Os irmãos Krier compartilham à sua maneira e com ligeiras nuances o primeiro ponto de vista, e então, embora uns poucos como os Krier, Rossi, Bacon ou Rowe teorizem na mesma direção nenhum deles ousa a enfrentar o verdadeiro problema de frente, atacando a espinhosa questão da monumentalidade e a natureza dos espaços urbanos contemporâneos, uma questão que restará não resolvida enquanto os urbanistas continuarem a ignorar ou sublimar as relações potencialmente explosivas que as cidades mantêm com a tecnologia, principalmente as de transporte e iluminação urbanas (eu pessoalmente ressalvo que não considero, absolutamente, a iluminação urbana um bicho de sete cabeças a não ser pelas concessionárias porcalhonas -de eletricidade, telefone, TV a cabo,etc., também - que não enterram a fiação, poluindo o espaço aéreo das cidades com centenas de quilômetros de fios). Esta questão ocupa o centro de nossa reflexão. O fato é ainda mais importante porque é impossível lidar com ele referindo-se a exemplos do passado e as poucas referências atuais são de caráter muito particular para serem úteis à nossa análise. O meio urbano sempre se adaptou, com alguma inércia inicial, às evoluções da tecnologia; mas as que aconteceram nos séculos XIX e XX foram rápidas e brutais demais para permitir uma apreciação coerente de onde pudéssemos tirar conclusões objetivas. Le Corbusier e os CIAMs previram o choque, mas suas crenças nas tecnologias modernas eram de tal ordem que eles chegaram a soluções radicais que muitas vezes, quando aplicadas, levavam à resultados desastrosos. Outros arquitetos abordaram esta questão posteriormente, sempre com resultados os mais diversos; Khan, reconhecendo no fluir do trânsito, movimentos constituintes da paisagem urbana; Lynch e Appleyard desenvolvendo estruturas seqüenciais arquitetônicas para serem “lidas” em alta velocidade; Cullen, aproximando-se por meio do detalhe do vocabulário das pequenas e grandes formas urbanas para, pragmaticamente, montar uma gramática operacional. Dos três, Cullen foi o único a aprofundar suas pesquisas, sendo que a sua gramática permanece válida até os dias de hoje e, apesar de receber julgamentos sobre seu valor bem maniqueístas, continua como a única proposta com credibilidade sobre este assunto. Cullen também merece crédito por se reaproximar de um conceito considerado obsoleto porque romântico, o de urbanidade, isto é, um conjunto de elementos que tornam cognoscível um meio urbano. Lynch teve um vislumbre da questão, mas não lhe deu maior atenção, permanecendo ela ignorada por seus seguidores. Arquitetos tem consciência deste fato (a urbanidade) mas não sabem como expressá-lo, sem dúvida por que é um conceito essencialmente subjetivo, que escapa a qualquer tentativa de codificação. Tal como a Arquitetura, a Urbanidade é um conceito indefinível, mas ao contrário daquela, ela não tem, uma dimensão social ou funcional. (??? !! o Pierre aqui pisou na “mayonnaise”! Marsílio Ficino, filósofo da Renascença dizia que a cidade não era feita de pedras, era feita de homens – como não haver nela uma dimensão social? A "urbanidade", esta atmosfera subjetiva das cidades prescinde da humanidade? Uma cidade sem habitantes nada mais é do que um pesadelo.). Frequentemente confundida com o pitoresco,ela pode ser a quarta dimensão das paisagens urbanas, mas esta dimensão não seria a finalidade implícita de toda a arte urbana?
(E por falar em tecnologia acho que o veículo particular foi o segundo maior agente transformador (e destruidor) das áreas urbanas na história das cidades – em primeiro vêm as guerras).

1 – Nós chamamos de cidades “espontâneas” aquelas que possuem um passado e uma maturidade, em contraposição às cidades “novas”, criações artificiais. Fica no entanto subentendido que cidades “novas” podem eventualmente tornarem-se “espontâneas”, como acontece frequentemente na história do urbanismo.

2 – Embora os exemplos mencionados sejam antigos, é possível citar vários outros na arquitetura contemporânea.

3 – Frank Lloyd Wright in “Disappearing City” N.Y. 1945.

4 – Aldo Rossi in “L’Architettura della Citta”, Padova 1966.

5 – Claude Levi-Strauss in “Tristes Tropiques”, Paris, 1955, citado por Aldo Rossi.

6 – Camillo Sitte in “L’artde bâtir lês villes”, Edição Francesa, Equerre, Paris, 1980.

7 – Gaston Bardet in “L’urbanisme”, Paris, 1947.

8 – Edmund N. Bacon, “Design of Cities”, N.Y., 1967.

9 – Colin Rowe e Fred Koetter, “Collage City”, Cambridge.


N.T. - Fiz esta tradução a partir do texto em francês, verificando-o no final com a tradução em inglês.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

SOBRE URBANISMO - PARTE I

Arte Urbana, Projeto Urbano ou Urbanidade?
por Pierre Lucain




Este artigo saiu na l’architecture d’aujourd’hui 217, de outubro de 1981 e traduzo-o aqui e agora porque de certa forma ele reflete o debate que tínhamos naquela época sobre Urbanismo, Brasília e a Carta de Atenas que, por diversas contingências, prolongou-se até os dias de hoje no nosso meio profissional. Informo que Pierre Lucain é um arquiteto belga que escreveu na AA até mais ou menos 1999, sendo que depois eu o perdi de vista (ou de revista).

Por um longo tempo os arquitetos tiveram uma visão subjetiva e estreita da cidade, que refletia simultaneamente suas preocupações do momento, suas aproximações muito particulares com os problemas que lhes eram colocados e as incertezas das modas que se sucediam umas às outras com crescente rapidez. As vastas perspectivas Haussmanianas e o estilo neoclássico do século retrasado foram veementemente rejeitados pelo planejamento funcional dos movimentos modernos, que por sua vez foram questionados por outros movimentos mais ligados a questões político-sociais e ecológicas da sua época. Estes típicos movimentos dos anos sessenta, influenciados pelo pós-modernismo, foram levados a uma visão romântica e literária da cidade, visão esta cujo resultado final foi a construção de umas poucas “unidades de vizinhança” suburbanas de classe média (aqui Lucain refere-se provavelmente aos membros do movimento norte-americano "New “Urbanism”, autores da "Charter of New Urbanism"; lembro por oportuno que os arquitetos modernistas tinham uma real preocupação com a desigualdade social de sua época e que sua luta maior era pela moradia digna, universal e sabiamente desenhada, como dizia o Giancarlo de Carlo).

Alguns conceitos desses movimentos eram contraditórios entre si, outros se complementavam, mas todos eles falhavam no reconhecimento da interdependência dos fenômenos urbanos com os fatos históricos, geográficos, econômicos e sociais locais. Certa ingenuidade e mesmo uma razoável confusão prevaleciam quanto ao conhecimento da natureza dos problemas da cidade em questão e o realismo das soluções possíveis. Esta desordem e esta confusão explicam bem o fracasso e a falta de credibilidade desses movimentos perante os governantes e a opinião pública.

Como é possível justificar-se as teorias dos CIAMs quando elas ignoram questões tão elementares como a propriedade do solo? Como é possível sustentar-se um planejamento conciliatório pós-moderno quando este nega romanticamente a luta entre os diversos interesses que se constitui na força motora da dinâmica urbana? Como é possível acreditar-se no historicismo e na reconstrução da cidade européia quando os defensores deste movimento proclamam gravemente que é preciso construir “cidades na cidade e cidades no campo”, o que consiste tanto em um pleonasmo quanto em uma impossibilidade física. Evidentemente não se espera que arquitetos tenham um conhecimento profundo das estruturas dos assentamentos humanos e de seus mecanismos de gestão; no entanto uma noção melhor sobre estas matérias os ajudaria a perder suas ilusões, principalmente aquelas que os fazem acreditar que é possível desenvolver um ambiente urbano cheio de vida sobre uma parcela de solo virgem, simplesmente pela combinação dos elementos constitutivos de uma cidade histórica. (Pierre Lucain refere-se provavelmente às correntes “historicistas” do urbanismo pós-moderno que apareceram nos EUA na segunda metade do século XX ( p. e. a de Robert Frost), mas que eram em grande parte importadas da Europa, através de arquitetos como os irmãos Leo e Rob Krier, Denise Scott Brown e mais remotamente, Camillo Sitte; quanto à luta entre interesses, esta é inerente à diversidade dos assentamentos humanos, o que leva ao confronto mas também à coexistência entre as diferentes classes sociais).


Há de fato, nos tratados de arquitetura, uma extraordinária confusão entre ambientes urbanos já existentes (cidades que surgiram e cresceram espontaneamente) e ambientes urbanos a serem criados; as características de uns são automaticamente aplicadas aos outros e vice-versa.
Obviamente cidades espontâneas (1) e cidades novas ou novos subúrbios têm vários aspectos em comum, mas seus problemas intrínsecos são fundamentalmente diferentes. Os da primeira incluem renovação urbana, desenvolvimento de novos bairros ou controle de tráfego, enquanto que os da segunda estão mais centrados no planejamento, no desenho da paisagem urbana e nos meios de transporte público (vale relembrar aqui o impacto mortífero que teve o automóvel sobre as cidades históricas).

Os centros das cidades antigas, que foram formados e estruturados ao longo de vários séculos, se constituem em entidades muito mais complexas do que os centros de cidades novas e, ainda que bem planejados, tal fato não significa que esses aceitarão necessariamente bem o transplante de certos elementos chave dos antigos centros e que assim a complexidade urbana, da qual falamos, seria automaticamente reconstituída
(lembro-me na hora, como maus exemplos, da “Piazza D’Itália” de Charles Moore, que beira o pastiche e a galhofa e também da sua descendente burlesca projetada pelo arquiteto carioca Paulo Casé no Bar 20, em Ipanema, RJ; mas saindo do campo da farsa, o grupo do "New Urbanism" tentou algumas experiências com pequenos núcleos suburbanos, sem muito sucesso).


Em 1937, quando Le Corbusier trabalhou em um plano para a recuperação de uma área decadente no centro de Paris
(o “Plan Voisin” para a “l’îiot insalubre nº 6”, ou seja, o “Marais” e adjacências – adjacências estas nas quais ele incluiu a “Ille de La Cité”, a “Ille de Saint Louis”, o “Boulevard Saint Germain”...), aproveitando então um pedaço de sua “Ville Radieuse”, que poderia muito bem ser construída no campo aberto (aliás, LC a reaproveitaria mais tarde em seu plano para a cidade de Bruxelas). Igualmente, várias décadas depois, Mies van der Rohe também ignorou completamente o contexto da vizinhança, e mais, a relação espontânea que esta vizinhança mantinha com as outras tessituras urbanas do lugar, para projetar o campus do “Illinois Institute of Technology”, em Chicago.

Estes são exemplos extremos, mas em uma menor escala a sede da UNESCO em Paris (Breuer, Nervi e Zehrfuss, 1958), o edifício Thyssen em Düsseldorf (Helmut Hentrich, 1960), ou a prefeitura de Boston (Paul Rudolph, 1963), para mencionar apenas uns poucos exemplos, foram todos eles projetados fora do contexto de suas vizinhanças; na verdade eles são perfeitamente intercambiáveis e poderiam ter sido construídos em qualquer local de um novo bairro (2). Ao contrário, sob a influência do historicismo pós-modernista é cada vez mais freqüente, especialmente durante os últimos anos, que ambientes urbanos antigos (ou antiquados) sejam reconstituídos dentro de novos empreendimentos imobiliários. Os resultados são igualmente lamentáveis

Esta confusão é menos aparente em projetos de grande escala quando são realizados dentro dos centros de grandes metrópoles tais como o Lincoln Center em Nova York ou a nova Rua Arbat em Moscou, o “Les Halles”, em Paris, ou a recuperação dos centros urbanos de Boston e Baltimore. (A bela Rua Arbat foi a principal artéria da Moscou Czarista e a Nova Arbat é uma via moderna paralela à primeira, que interliga os principais “skyscrapers” da Moscou Soviética. Quanto ao Lincoln Center, considero um equivoco conceitual retirar do espaço público diversas funções da cidade para colocá-las dentro de um complexo privado, aliás, como se faz em São Paulo nos condomínios habitacionais verticais e nos centros empresariais). Aqui a grande extensão destas operações urbanas acaba por dotá-las de uma autonomia formal e espacial que libera os seus projetistas de restrições devidas ao contexto (exemplo: a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro). De qualquer maneira, estas novas formas urbanas, quaisquer que sejam as suas morfologias, com o tempo se acomodam ao sítio e finalmente passam a fazer parte do lugar.

UMA CERTA MIOPIA

Tal confusão entre meios urbanos espontâneos e planejados também pode ser explicada pela posição que os modernistas tomaram com relação à cidade então existente, que eles consideravam como um ambiente de indecifrável complexidade ou de incompreensível desordem. Gropious falava de uma “caótica desorganização de nossas cidades” enquanto Wright escreveu que “olhar no mapa de qualquer cidade grande é como olhar na secção de um tumor” (3). Le Corbusier foi além, discursando sarcasticamente sobre os riscos envolvidos na formação dos tecidos urbanos (o caminho dos asnos) e sobre a necessidade da destruição das ruas. O CIAM terminou por declarar (item 71 da Carta de Atenas) que “a maioria das cidades que haviam estudado ofereciam no presente uma imagem de caos e anarquia”. A cidade que os modernistas unanimemente condenavam não era nem a cidade medieval, nem a renascentista, mas as aglomerações resultantes das enormes migrações urbanas do século XIX, anárquicas e incontroláveis, mais incompreensíveis ainda para eles, pois que baseavam suas críticas em “impressões”. (Neste ponto Lucain está coberto de razão, pois a má formação da cidade industrial já havia sido criticada por ninguém menos que Friedrich Engels, Karl Marx, Robert Owens, Charles Fourier, John Ruskin, William Morris, Tony Garnier, Camillo Sitte, Ebenezer Howard, e por aí vai). A postura crítica “impressionista” se explica também pelo movimento anti-urbano próprio dos países anglo-saxões e por uma vontade que os modernistas sempre tiveram de responder a questões complexas com soluções nas quais a simplicidade garantiria o seu funcionamento (agora Lucain se esquece de dizer que o anti-urbanismo foi principalmente norte-americano. Conforme Françoise Choay, os europeus que criticavam as cidades eram ainda assim marcados por uma longa tradição urbana; já a tradição norte-americana estava ligada à imagem de uma natureza virgem vinda da época heróica dos “pioneiros” – ao crescimento da cidade industrial correspondeu a nostalgia da pradaria e ao aparecimento de uma violenta corrente popular anti-urbana).

O ponto de vista dos modernistas sempre se deparou com movimentos de oposição, sumariamente desqualificados por eles como retrógrados ou tradicionalistas. Este foi um sério erro de avaliação, agravado pelo fato de que desde quando as teses sobre a cidade funcional estavam sendo desenvolvidas, os tais movimentos de oposição, que absolutamente não eram todos conservadores, fizeram pesquisas sobre a natureza e sobre as estruturas ou os mecanismos dos fenômenos urbanos.

Os resultados destes estudos teriam permitido aos modernistas corrigir sua falta de realismo e adquirir uma melhor credibilidade junto ao público. O livro escrito por Parks e Burguess, “A Cidade” foi publicado três anos antes da fundação do CIAM (1928) e sete anos antes que a “Carta de Atenas” fosse elaborada. Este trabalho e outros publicados mais tarde, expõem a heterogeneidade das estruturas sócio-econômicas de uma grande cidade norte-americana e sua lógica intrínseca, enquanto o CIAM estava reduzindo todas as funções urbanas à apenas quatro delas. É relevante, entretanto, notar que o CIAM esqueceu-se da principal função, a que é a força motriz de qualquer dinâmica urbana, a função de troca. (Acho que aqui Lucain se enganou ou esqueceu-se de mencionar que, como característica da "urbs", em primeiro lugar vem sempre a função política, surgida com o crescimento da população das vilas neolíticas e a conseqüente necessidade de organização social, da divisão do trabalho e de controle do grupo – não faltam às primeiras cidades da humanidade ruas, celeiros, habitações, um palácio ou um templo, ou ainda ambos, complementando-se no exercício do poder político; as aldeias do neolítico tinham habitações e armazéns, ou seja, efetuavam pelo menos trocas comerciais, mas não contavam com os palácios e templos das "polis").

Geógrafos e sociólogos que estudaram os fenômenos urbanos no mesmo período chegaram a uma concepção importante; a da globalidade urbana, da abordagem global dos fatos. Por eles a cidade se construía por si mesma em sua totalidade e esta totalidade era a sua razão de ser. Esta apreensão global
é mais interessante, pois pode ser usada para definir o conjunto das características dos fenômenos urbanos, notadamente aqueles pertencentes à heterogeneidade espacial, à estrutura radial, à hierarquia das formas e das funções, aos diversos movimentos contínuos ou cíclicos que geram o crescimento urbano e determinam o ritmo de sua evolução, o que permite a execução de planos urbanos melhores estruturados.
(Justiça seja feita aos modernistas – se sua definição de plano urbano é muito simplista, a dos geógrafos e sociólogos de Lucain é para lá de complicada).

Rossi não estava enganado quando escreveu no final de sua longa dissertação sobre a maneira de lidarmos com a geografia e a estética da cidade, que: “o elemento fundamental a ser retido da concepção da cidade como totalidade é a idéia de que podemos nos aproximar de uma compreensão desta totalidade estudando suas diferentes manifestações e a maneira como elas se comportam (4). A aproximação de Rossi não é aquela de um técnico, mas a de um arquiteto para quem a cidade é “uma arquitetura”, ou seja,” uma criação inseparável da vida dos cidadãos e da sociedade na qual foi produzida”.

Aproveito esta espécie de pausa no artigo para chamar a atenção que em nenhum momento foi colocado que uma parte considerável dos habitantes das cidades do terceiro mundo é constituída pelo proletariado lumpem (talvez pela origem de primeiro mundo de Lucain), que frequentemente são os seus reais construtores e que depois de terminada sua tarefa vão formar núcleos habitacionais com a consequente concentração de pobreza e desemprego nas precárias periferias semi-urbanas para além dos subúrbios da classe média, limítrofes aos campos vizinhos, ou em terrenos situados em áreas geologicamente instáveis, várzeas inundáveis, etc. Ao contrário das cidades dos países centrais do capitalismo, é este o principal problema urbano
das cidades dos países em desenvolvimento.

UMA OBRA DE ARTE

Se a arquitetura ou a cidade se constituem em “objetos humanos por excelência” (5) elas são para Rossi, principalmente, obras de arte. “Nenhum estudo urbano pode ignorar este aspecto da questão” (4). Além disto, uma obra de arte pode ser compreendida tanto em sua totalidade quanto em seu contexto.

A idéia de uma cidade-obra-de-arte não é nova; ela foi inicialmente colocada por Sitte com muito mais realismo do que demonstrado por Rossi. A “A Cidade é uma Obra de Arte”, de Sitte exprime não só a sensibilidade de um esteta diante de outra forma de arte que é a paisagem urbana, mas também a importância social desta arte que “exerce quotidianamente e a cada hora sua influência sobre a massa popular, enquanto que o teatro e o concerto só são acessíveis para uma minoria afortunada” (6). Esta afirmação de Sitte mostra que ele, como Rossi, estão conscientes que a estética urbana não pode ser uma questão de “arte pela arte”, mas que tudo na cidade – e esta é uma das características do fenômeno urbano – tem uma razão de ser e deve ser exprimido tridimensionalmente. (Acho que há aqui um pleonasmo - todo artefato de que se constitui uma cidade é tridimensional, naturalmente).

“Toda função só é percebida através da forma”, escreve Rossi, “a forma é o que permite o fato urbano”, dito ao qual Bardet acrescentou; “A cidade é uma obra de arte na qual gerações de habitantes trabalharam juntos, acomodando-se em maior ou menor grau ao que já existia antes deles” (7). Sitte, Bardet e Rossi estão de fato perfeitamente conscientes de que a estética urbana não é uma “questão de “arte por arte” e de que as formas urbanas “o casaco arquitetônico que a arte urbana tem sucessivamente tomado por empréstimo"(7) são meramente a expressão deste “ser coletivo” (7) que é a população Urbana. "Todas as funções só são visíveis através de uma forma", escreve Rossi, salientando que é através desta forma que o artefato urbano continua a existir. (fica patente nestes últimos trechos, a admiração do nosso amigo Pierre Lucain por Aldo Rossi. Depois da deconstrução da Carta de Atenas pelo “Team 10”, novos enfoques sobre a cidade, muitas vezes contraditórios entre si, surgiram entre os urbanistas do pós-guerra – os metabolistas japoneses, o Archigram, Aldo Rossi e a Tendenza, Manfredo Tafuri, Ernesto Rogers, Vittorio Gregotti, José Lluis Sert, Oriol Bohigas, Leon e Rob Krier, Collin Rowe, Denise Scott Brown, Piet Blom, Herman Hertzberger; para mim as teorias de Aldo Rossi tiveram o mérito de desmascarar, ainda que involuntariamente, a picaretagem populista/neoliberal de Venturi & Rauch).

(Continua).

domingo, janeiro 11, 2009

PETRÓPOLIS (3)

Sento-me no banco circular que há,
Sombreado por antiga figueira,
Na praça da catedral de São Pedro de Alcântara
E olho, devagar, o pequeno
Panorama florido ao meu redor.

O negócio por aqui é ficar quieto, bem quieto,
Como os gatos que tomam sol
Deitados, sonolentos, no saibro,
Curando-se de suas aventuras noturnas,
Lambendo as suas feridas.

Quando eu era pequeno
Vinha a este banco brincar; agora
Quero apenas ficar quieto,
Esperando a dor passar. Vai passar.
Quieto, muito quieto,

Não lembro, não penso, não sinto,
Vejo as pombas arrulhando
Pelos telhados dos casarões
E os gatos deitados ao sol,
Curando-se dos amores

SUSTENTABILIDADE DESDE A IDADE MÉDIA

Em complementação aos artigos anteriores que publiquei neste Blog sobre o impacto de nossa civilização sobre a Terra segue um trecho do livro “A Civilização do Ocidente Medieval”, do historiador francês Jacques Le Goff, que trata do esgotamento dos recursos naturais da Europa entre os séculos X e XIII, mostrando a antiguidade da questão da intervenção do homem sobre o sistema ecológico do seu habitat.

[... Mas esta exploração devastadora do espaço era também destruidora de riquezas. Ora, o homem era então incapaz de reconstituir as riquezas naturais que destruía, ou incapaz de esperar que se reconstituíssem naturalmente.

Os desbravamentos, principalmente as queimadas – “terra gasta” -, esgotam as terras e destroem uma riqueza aparentemente ilimitada do mundo medieval: a madeira.

Um texto entre muitos outros mostra a que ponto a economia medieval tornou-se rapidamente impotente diante da natureza, porque a resposta desta a um progresso técnico que, excepcionalmente a violenta, é o esgotamento – que faz o progresso recuar. No território de Colmar, nos Baixos-Alpes franceses, no fim do século XIII os cônsules da cidade mandam destruir as serras hidráulicas que provocam o desflorestamento da região. Esta medida tem por conseqüência a invasão dos bosques por uma multidão de “gente pobre e indigentes” (hominis pauperes et nihil habentes) munidas de serras manuais que provocam “cem vezes mais prejuízo”. Os textos e as medidas se multiplicam para proteger as florestas, cujo encolhimento ou desaparição tem por conseqüência não apenas uma diminuição de recursos essenciais: madeira, caça, mel selvagem; mas também em certas regiões e em certos solos – sobretudo em países mediterrânicos – agrava os efeitos da enxurrada de modo muitas vezes catastrófico. Na borda sul dos Alpes, da Provença à Eslovênia, vê-se organizar a partir de 1300 a proteção de bosques e florestas. A assembléia geral dos homens de Folgara, no Trentino, em 30 de março de 1315 na praça pública, editou:

“Se alguém for pego cortando madeira do monte Alla Galilena até os caminhos dos da Costa que conduz ao monte, e do cimo até a planície, pagará cinco soldos por cada tronco”.

“Que ninguém ouse cortar os fustes de larício para fazer lenha de fogo neste monte, sob pena de cinco soldos por tronco”.

O homem não era o único culpado desta ocorrência. O gado errante nos campos ou prados era devastador. Multiplicam-se os lugares “defesos” – locais interditos à errância e à pastagem de animais, sobretudo das cabras – estas grandes inimigas dos camponeses medievais.

A crise descrita sob o nome de crise do século XIV fez-se anunciar pelo abandono das terras ruins, das terras marginais sobre as quais veio a morrer a vaga dos desmatamentos nascida do impulso demográfico. Desde o fim do século XIII, notadamente na Inglaterra, as terras incapazes de se reconstituir, cujos fracos rendimentos tornaram-se inferiores ao mínimo econômico, foram abandonadas... As charnecas e o mato voltaram a dominar. A humanidade medieval não voltou ao seu ponto de partida, mas não pode continuar a aumentar suas clareiras cultivadas como desejava. A natureza lhe ofereceu uma resistência e por vezes lhe opôs um vitorioso refluxo. Isto é verdadeiro da Inglaterra à Pomerânia, onde os textos do século XIV nos falam de “mansos recobertos pela areia trazida pelo vento, por isto deixados desertos ou incultos”.

O esgotamento da terra foi o mais importante elemento para a economia medieval, essencialmente rural.

Mas quando se desenhava uma expansão da economia monetária, entre outras dificuldades, ela também se deparava com uma limitação natural: o esgotamento das minas. Apesar da retomada de cunhagem de moedas de ouro no século XIII, o metal importante era a prata. O fim do século XVIII assistiu ao declínio das minas tradicionais de Derbyshire e Devonshire, do Poitou e do Maciço Central, da Hungria e da Saxônia. Aqui ainda o ponto de estrangulamento era de ordem técnica. A maior parte das velhas explorações tinha atingido um nível em que o perigo de afogamento tornava-se grande e em que o mineiro tornava-se impotente diante das águas. Por vezes também os filões estavam pura e simplesmente esgotados...]

[... Sem dúvida aparecerão novas minas na Boêmia, Moravia, Transilvânia, Bósnia, Sérvia. Mas não basta às necessidades da Europa cristã no fim do século XV. A Cristandade sofre de “fome monetária”. No século seguinte o ouro e principalmente a prata da América virão satisfazê-la...].


Como curiosidade, vemos aqui o historiador, ao abordar as vicissitudes ecológicas da Europa no final da idade média, narrar o nascimento do Capitalismo, com a formação do proletariado urbano pela migração dos camponeses para as cidades, fugindo da miséria e da fome que reinavam no campo, e a acumulação do capital, obtido pelo saque da prata e do ouro das minas da América.

Quanto à sustentabilidade sabemos que desde o neolítico o homem interfere na Natureza para retirar dela o seu sustento e o seu conforto material. Na narrativa acima vemos como, na Europa, há quanto tempo a natureza teve seus recursos esgotados pelos homens, e como estes (os europeus) resolveram o problema primeiro pelo Colonialismo e depois pelo Imperialismo. Assim, a Europa (e posteriormente os norte-americanos) avançou sucessivamente sobre os recursos naturais das Américas, do sul da Ásia, da África e até hoje, do Oriente Médio (embora de forma disfarçada).

Por isto é que sempre repito que há inocentes e culpados nesta questão da sustentabilidade, e que o ônus da regeneração da natureza não pode ser dividido equanimemente entre ex-colonizadores e ex-colonizados. Os maiores sacrifícios quanto a níveis de consumo e a maior parte do custo de um mundo ecologicamente equilibrado deveriam, por justiça, ser assumidos pelos países do assim chamado primeiro mundo. Mas alguém, em sã consciência, acredita que isto irá acontecer?

sábado, janeiro 10, 2009

SAUDOSISMO JUSTIFICADO

Long years ago we made a tryst with destiny, and now the time comes when we shall redeem our pledge, not wholly or in full measure, but very substantially. At the stroke of the midnight hour, when the world sleeps, India will awake to life and freedom. A moment comes wich comes but rarely in history, when we step out from the old to the new, when a age ends, and when the soul of a nation, long supressed, finds utterance. It is fitting that at this solemn moment we take the pledge of dedication to India and her people and to the still larger cause of humanity.

- Jawaharlal Nheru, o primeiro Primeiro Ministro da Independência da Índia; discurso aos membros da assembléia constituinte na meia noite de 14 para 15 de agosto de 1947,
quando cessou o domínio de mais de 200 anos exercido pela Inglaterra sobre sua ex-colônia.

Que tisteza ler esta frase de um grande estadista como Nheru quando hoje nosso destino é aturarmos atores de segunda classe como o Reagan, o Clinton com suas estagiárias, uma Dama-de-Ferro bebum, um puxa-saco como o Tony Blair, um alcoólatra fundamentalista como o Bush e ainda ouvir as abobrinhas de um Barack Obama. Vixe!

sexta-feira, janeiro 02, 2009

OS VIVOS E OS MORTOS

Fui a um casamento em Niterói
Após décadas sem por lá estar
E depois à festa, no Saco de São Francisco,
Praia onde passei alguns verões de minha infância.
Achei-a irreconhecível, o que antes era mato,
Areia e uma ou outra casa
É hoje um sem fim de edifícios,
De gente, de bares e restaurantes.
A igrejinha Barroca do Bairro,
Da qual eu me lembrava no topo de um penhasco
Debruçado, majestoso, sobre as águas da enseada,
Na realidade ergue-se sobre um pequeno outeiro
Humilde, semi-urbanizado, com um adro sem graça,
E uma nova avenida onde antes era o mar.
Parece-me que quando somos pequenos
Tudo para nós é grandioso, dramático, poderoso,
Como nos contos de fada; depois, com o tempo, passa.
Na festa, sentei-me ao ar livre e de quando em quando
Olhava meu pai (sem mamãe) na mesa ao lado
Com dois dos velhos amigos (poucos) que lhe restaram.
Lembrei-me, então, de um verso em latim
Que, onde o li, não me lembro mais e de quem é nunca soube;
Ubi sunt qui ante nos in mondo fuere.
E perguntei a minha irmã, à minha frente:-
Onde estão aqueles que antes de nós viveram neste mundo?
Ao que ela me respondeu, citando Manoel Bandeira:
Estão dormindo, dormindo profundamente

quinta-feira, janeiro 01, 2009

O ADORMECER

Na minha cabeça
Adejando no espaço irreal
Em círculos concêntricos,
Volúveis,
Uma noção,
Uma certeza,
Uma razão,
Que emerge desapercebidamente
Para depois, caprichosamente,
Mergulhar no mar
Do inconsciente.

Fica um rendado
De palavras polissêmicas,
Imagens inconstantes,
Luzes impressas
Na retina da mente
Um pouco antes
De o sono chegar.

No reticulado semovente
De idéias virtuais
Afunda o meu ser
Quando de súbito uma voz
Ergue-se do passado
Calando-se em seguida.
Não, ela não me perturba mais.
Volto ao mergulho
Em águas profundas;
Passa um pensamento
Sem deixar seu rastro,
Um caleidoscópio me aparece
Nas pálpebras fechadas

E então o nada
Antes do portal
Do outro universo.