PALLADIO

domingo, janeiro 11, 2009

SUSTENTABILIDADE DESDE A IDADE MÉDIA

Em complementação aos artigos anteriores que publiquei neste Blog sobre o impacto de nossa civilização sobre a Terra segue um trecho do livro “A Civilização do Ocidente Medieval”, do historiador francês Jacques Le Goff, que trata do esgotamento dos recursos naturais da Europa entre os séculos X e XIII, mostrando a antiguidade da questão da intervenção do homem sobre o sistema ecológico do seu habitat.

[... Mas esta exploração devastadora do espaço era também destruidora de riquezas. Ora, o homem era então incapaz de reconstituir as riquezas naturais que destruía, ou incapaz de esperar que se reconstituíssem naturalmente.

Os desbravamentos, principalmente as queimadas – “terra gasta” -, esgotam as terras e destroem uma riqueza aparentemente ilimitada do mundo medieval: a madeira.

Um texto entre muitos outros mostra a que ponto a economia medieval tornou-se rapidamente impotente diante da natureza, porque a resposta desta a um progresso técnico que, excepcionalmente a violenta, é o esgotamento – que faz o progresso recuar. No território de Colmar, nos Baixos-Alpes franceses, no fim do século XIII os cônsules da cidade mandam destruir as serras hidráulicas que provocam o desflorestamento da região. Esta medida tem por conseqüência a invasão dos bosques por uma multidão de “gente pobre e indigentes” (hominis pauperes et nihil habentes) munidas de serras manuais que provocam “cem vezes mais prejuízo”. Os textos e as medidas se multiplicam para proteger as florestas, cujo encolhimento ou desaparição tem por conseqüência não apenas uma diminuição de recursos essenciais: madeira, caça, mel selvagem; mas também em certas regiões e em certos solos – sobretudo em países mediterrânicos – agrava os efeitos da enxurrada de modo muitas vezes catastrófico. Na borda sul dos Alpes, da Provença à Eslovênia, vê-se organizar a partir de 1300 a proteção de bosques e florestas. A assembléia geral dos homens de Folgara, no Trentino, em 30 de março de 1315 na praça pública, editou:

“Se alguém for pego cortando madeira do monte Alla Galilena até os caminhos dos da Costa que conduz ao monte, e do cimo até a planície, pagará cinco soldos por cada tronco”.

“Que ninguém ouse cortar os fustes de larício para fazer lenha de fogo neste monte, sob pena de cinco soldos por tronco”.

O homem não era o único culpado desta ocorrência. O gado errante nos campos ou prados era devastador. Multiplicam-se os lugares “defesos” – locais interditos à errância e à pastagem de animais, sobretudo das cabras – estas grandes inimigas dos camponeses medievais.

A crise descrita sob o nome de crise do século XIV fez-se anunciar pelo abandono das terras ruins, das terras marginais sobre as quais veio a morrer a vaga dos desmatamentos nascida do impulso demográfico. Desde o fim do século XIII, notadamente na Inglaterra, as terras incapazes de se reconstituir, cujos fracos rendimentos tornaram-se inferiores ao mínimo econômico, foram abandonadas... As charnecas e o mato voltaram a dominar. A humanidade medieval não voltou ao seu ponto de partida, mas não pode continuar a aumentar suas clareiras cultivadas como desejava. A natureza lhe ofereceu uma resistência e por vezes lhe opôs um vitorioso refluxo. Isto é verdadeiro da Inglaterra à Pomerânia, onde os textos do século XIV nos falam de “mansos recobertos pela areia trazida pelo vento, por isto deixados desertos ou incultos”.

O esgotamento da terra foi o mais importante elemento para a economia medieval, essencialmente rural.

Mas quando se desenhava uma expansão da economia monetária, entre outras dificuldades, ela também se deparava com uma limitação natural: o esgotamento das minas. Apesar da retomada de cunhagem de moedas de ouro no século XIII, o metal importante era a prata. O fim do século XVIII assistiu ao declínio das minas tradicionais de Derbyshire e Devonshire, do Poitou e do Maciço Central, da Hungria e da Saxônia. Aqui ainda o ponto de estrangulamento era de ordem técnica. A maior parte das velhas explorações tinha atingido um nível em que o perigo de afogamento tornava-se grande e em que o mineiro tornava-se impotente diante das águas. Por vezes também os filões estavam pura e simplesmente esgotados...]

[... Sem dúvida aparecerão novas minas na Boêmia, Moravia, Transilvânia, Bósnia, Sérvia. Mas não basta às necessidades da Europa cristã no fim do século XV. A Cristandade sofre de “fome monetária”. No século seguinte o ouro e principalmente a prata da América virão satisfazê-la...].


Como curiosidade, vemos aqui o historiador, ao abordar as vicissitudes ecológicas da Europa no final da idade média, narrar o nascimento do Capitalismo, com a formação do proletariado urbano pela migração dos camponeses para as cidades, fugindo da miséria e da fome que reinavam no campo, e a acumulação do capital, obtido pelo saque da prata e do ouro das minas da América.

Quanto à sustentabilidade sabemos que desde o neolítico o homem interfere na Natureza para retirar dela o seu sustento e o seu conforto material. Na narrativa acima vemos como, na Europa, há quanto tempo a natureza teve seus recursos esgotados pelos homens, e como estes (os europeus) resolveram o problema primeiro pelo Colonialismo e depois pelo Imperialismo. Assim, a Europa (e posteriormente os norte-americanos) avançou sucessivamente sobre os recursos naturais das Américas, do sul da Ásia, da África e até hoje, do Oriente Médio (embora de forma disfarçada).

Por isto é que sempre repito que há inocentes e culpados nesta questão da sustentabilidade, e que o ônus da regeneração da natureza não pode ser dividido equanimemente entre ex-colonizadores e ex-colonizados. Os maiores sacrifícios quanto a níveis de consumo e a maior parte do custo de um mundo ecologicamente equilibrado deveriam, por justiça, ser assumidos pelos países do assim chamado primeiro mundo. Mas alguém, em sã consciência, acredita que isto irá acontecer?

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