PALLADIO

sexta-feira, outubro 17, 2008

DEZEMBRO

Vibram no ar
Ondas seguidas
De coisas más.
Dezembro está à janela.
Pergunto:
Para onde foi
O meu passado?
Onde estão
Os parques com as crianças,
A roda dos amigos,
A escolinha O Quintal?
Para onde foram os sinos
Da Catedral de São Pedro de Alcântara,
As águas de Cabo Frio,
A infância das meninas?


Onde estará a minha mãe?
Por onde andarão meus mortos?

(Nos jardins da casa da Gávea
Havia antúrios, costelas de adão,
Duas velhas jabuticabeiras
E samambaias junto ao portão).


Passou o tempo que ficava
Parado na eternidade, agora
A cada instante o presente é passado;
Hoje me contento
Com o mínimo denominador comum,
Mas as contas não fecham
E não vejo uma fresta sequer
Nesta cortina cerrada à minha frente
Que não me permite reconhecer,
Entender o que acontecerá ali adiante
Na quarta parede, no palco do meu futuro.

Mas entender o que?, penso,
A verdade é pura e simples:
Não há o que se compreender
Na minha melancolia
E nem há como se aferir
A extensão da minha tristeza.
A vida, nesta terra, é sombria,
Faz frio e a dor é dura.

(No pátio da casa da Gávea
Havia uma grande Jaqueira,
Um flamboyant, amoreiras
E muros cobertos de hera).

O câncer voltou a roer
O meu pulmão esquerdo;
Ele fica lá dentro, quieto,
Não ouço ruído algum.
Mas sei que lá está onipresente,
Crescendo lento, em meu corpo,
Vivendo e dormindo comigo,
Constante e tenebrosa companhia.

(A varanda da casa da Gávea
Abria-se para a Rua Adolfo Lutz,
Sombreada por velhas mangueiras,
Onde as cigarras cantavam o verão)

Passam-se as horas... Não é o medo
Do fim (pelo menos por agora)
Que não me dá sossego,
Mas sim estas horas que fogem,
A urgência da vida, o que há por fazer,
O que tem de ser escrito, o que tem de ser desfeito,
O que faltou para dar e o que me falta receber
O que está por começar e o que fica por terminar.

E mais:
É o sofrimento que me aguarda
Na cama de um hospital,
O sorriso da enfermeira,
A veia picada,
O soro, a sonda,
A máscara, a ferida,
O travesseiro que estranho
E o rude lençol;

É o bater na porta
A refeição recusada,
A visita apressada,
A agonia no fim do dia,
Enquanto espero a noite
E o sono, que enfim chegará
Misericordioso
Nas pastilhas de Rivotril.

(Depois da chuva, as gotas caíam
Das folhas na terra do jardim,
A neblina encobria o morro ao lado
E a água escorria nas calhas do telhado).

Pensando bem, em se tratando
Destas coisas, é melhor
Que tais coisas se passem como são
Ou que fiquem, quietas, onde estão.
Afinal, estamos em dezembro
E dezembro é mês ruim,
Dezembro é o sinal do fim;
O começo fica para janeiro.

(E que seja a memória da Gávea
O meu verão derradeiro).