PALLADIO

domingo, outubro 19, 2008

DOMINGO

Acordo tarde (hoje é domingo).
Acima do ruído, na rua,
Dos raros automóveis que passam
Ouço o radinho do porteiro
Tocando, alto, música caipira,
O vozeirão do jornaleiro, na esquina,
A conversar com os fregueses de ocasião.

Na recente manhã, as pombas arrulham nos beirais,
Das copas das árvores vem o canto de um sanhaço,
Um ou outro bem-te-vi.
Logo surge pontual, no meu pedaço,
O vendedor de pamonha e curau,
Com o alto-falante do caminhão
A proclamar o seu pregão:
“Pamonhas, pamonhas, pamonhas,
Pamonhas de Piracicaba”,
Acordando de vez a vizinhança.

Nas calçadas, lá em baixo,
Passeia-se mais com cachorros
Do que com bebês; São Paulo civiliza-se.
Nelas, além dos bichos,
Há também as domésticas
Que, vindas da padaria,
Passam com o embrulho de pão,
O litro de leite, o jornal do patrão
E os atletas de fim de semana
A correrem, de camiseta e calção.

Até a hora do almoço
O domingo ainda irá bem,
Parque, clube, esporte, piscina,
A leitura dos jornais e depois
A busca por um restaurante
Para o alegre repasto dominical.

Com a tarde este bem-estar irá desmanchar-se,
Como tudo que é sólido, no ar,
E o domingo terminará no tédio e na melancolia
Do sol chapado nas ruas vazias,
Da voz estridente de um locutor de futebol,
Do asfalto quente, das lojas fechadas,
De uma pipa perdida no pálido céu.

Por fim a noite chegará
Trazendo consigo a pizza e a televisão,
Um início de ressaca, a última cerveja,
O vale dos lençóis, a cama, a insônia,
O quarto escurecido em vão,

Porque a gente é fraco,
Caí no buraco,
E o buraco é fundo,
Acaba o mundo.