PALLADIO

sexta-feira, janeiro 30, 2009

SOBRE URBANISMO - PARTE II

Arte Urbana, Projeto Urbano ou Urbanidade?
por Pierre Lucain



A forma urbana nunca foi plenamente apreendida pelos arquitetos, que por muito tempo foram mais sensíveis a problemática existente nos grandes projetos estruturadores das cidades do que a problemática inerente aos tecidos vernaculares que se constituem no corpo vivo de qualquer aglomeração urbana. Esta miopia, devido à falta de uma visão global do fenômeno em questão, deve ser criticada porque geralmente refere-se às grandes intervenções efetuadas nos centros históricos das cidades. Assim, apenas os centros acabam sendo considerados para revitalização, e para muitos, reforma urbana significa tão somente a reforma da área central da cidade. É verdade que o centro é frequentemente a imagem e o símbolo da cidade, mas, na realidade ele é tão somente um bairro especial dentro da área urbana. (Pierre Lucain reivindica aqui um enfoque mais minimalista para as intervenções urbanas – seu maior criticismo provavelmente se dirige aos projetos faraônicos de renovação urbana do tipo das efetuadas na “City” e nas docas de Londres, por arquitetos como Norman Foster, Richard Rogers, César Pelli, etc.).

A QUARTA DIMENSÂO

A obra de Bacon, “Design of Cities”, uma das raras obras contemporâneas que lidam com o projeto urbano, exprime bem essa visão (8). O espaço urbano no qual ele analisa os vários conceitos históricos ou culturais é sempre um espaço central, que considera um espaço vernacular exótico. Na realidade, Bacon está mais interessado na monumentalidade do que na natureza do espaço urbano, mas não é a monumentalidade o apanágio dos centros das cidades? Não, muitos como Bacon tropeçam neste ponto, porque o espaço central, assim como as funções que ele assume, é heterogêneo por natureza e a monumentalidade é apenas uma de suas dimensões. Algumas cidades, principalmente as cidades norte-americanas, têm seus centros desprovidos de qualquer monumentalidade, mas com espaços centrais muito interessantes, o que implicaria em uma dicotomia entre espaços centrais e monumentalidade, dicotomia esta da qual Sitte estava bem ao par, quando ele criticava o abuso praticado em sua época no uso dos espaços “Haussmanianos” que considerava incapazes de serem monumentais ou sociais. Um autor mais contemporâneo, Colin Rowe, nega esta dicotomia (9) jogando com a ambigüidade da dupla função dos espaços maiores, a social e a semântica. Rowe baseia sua concepção na possibilidade de que muitos monumentos antigos tiveram de dissolver-se no tecido urbano, tornando-se, eventualmente, espaços vernaculares, deduzindo então, como Bacon o fizera anteriormente, que cidades devem ser estruturadas por grandes composições.

(Já Leonardo Benévolo, em sua “Formação da Cidade Européia”, considera que a “Haussmanização” induz à destruição dos centros históricos, e que, ao contrário do que afirma Rowe, os monumentos emergem deslocados do novo tecido formado. [... ”Da destruição são excluídos edifícios antigos mais importantes que a história da arte classifica como documentos históricos e modelos dos estilos restropectivos para a nova construção civil e que a consciência coletiva considera indispensáveis para a caracterização dos lugares. Estes edifícios são isolados e utilizados como focos perspectivos dos novos espaços urbanos onde, todavia, acabam por deixarem de se destacar porque a novas construções, mais densas, imitam suas dimensões. Tornam-se monumentos separados do ambiente urbano, tal como no museu as obras de arte estão separadas do circuito cotidiano de fruição. Nesta situação a arte começa a separar-se da vida,o ambiente quotidiano começa a ficar mais pobre e a beleza transfere-se para a esfera do entretenimento, do tempo livre”...]).

Os irmãos Krier compartilham à sua maneira e com ligeiras nuances o primeiro ponto de vista, e então, embora uns poucos como os Krier, Rossi, Bacon ou Rowe teorizem na mesma direção nenhum deles ousa a enfrentar o verdadeiro problema de frente, atacando a espinhosa questão da monumentalidade e a natureza dos espaços urbanos contemporâneos, uma questão que restará não resolvida enquanto os urbanistas continuarem a ignorar ou sublimar as relações potencialmente explosivas que as cidades mantêm com a tecnologia, principalmente as de transporte e iluminação urbanas (eu pessoalmente ressalvo que não considero, absolutamente, a iluminação urbana um bicho de sete cabeças a não ser pelas concessionárias porcalhonas -de eletricidade, telefone, TV a cabo,etc., também - que não enterram a fiação, poluindo o espaço aéreo das cidades com centenas de quilômetros de fios). Esta questão ocupa o centro de nossa reflexão. O fato é ainda mais importante porque é impossível lidar com ele referindo-se a exemplos do passado e as poucas referências atuais são de caráter muito particular para serem úteis à nossa análise. O meio urbano sempre se adaptou, com alguma inércia inicial, às evoluções da tecnologia; mas as que aconteceram nos séculos XIX e XX foram rápidas e brutais demais para permitir uma apreciação coerente de onde pudéssemos tirar conclusões objetivas. Le Corbusier e os CIAMs previram o choque, mas suas crenças nas tecnologias modernas eram de tal ordem que eles chegaram a soluções radicais que muitas vezes, quando aplicadas, levavam à resultados desastrosos. Outros arquitetos abordaram esta questão posteriormente, sempre com resultados os mais diversos; Khan, reconhecendo no fluir do trânsito, movimentos constituintes da paisagem urbana; Lynch e Appleyard desenvolvendo estruturas seqüenciais arquitetônicas para serem “lidas” em alta velocidade; Cullen, aproximando-se por meio do detalhe do vocabulário das pequenas e grandes formas urbanas para, pragmaticamente, montar uma gramática operacional. Dos três, Cullen foi o único a aprofundar suas pesquisas, sendo que a sua gramática permanece válida até os dias de hoje e, apesar de receber julgamentos sobre seu valor bem maniqueístas, continua como a única proposta com credibilidade sobre este assunto. Cullen também merece crédito por se reaproximar de um conceito considerado obsoleto porque romântico, o de urbanidade, isto é, um conjunto de elementos que tornam cognoscível um meio urbano. Lynch teve um vislumbre da questão, mas não lhe deu maior atenção, permanecendo ela ignorada por seus seguidores. Arquitetos tem consciência deste fato (a urbanidade) mas não sabem como expressá-lo, sem dúvida por que é um conceito essencialmente subjetivo, que escapa a qualquer tentativa de codificação. Tal como a Arquitetura, a Urbanidade é um conceito indefinível, mas ao contrário daquela, ela não tem, uma dimensão social ou funcional. (??? !! o Pierre aqui pisou na “mayonnaise”! Marsílio Ficino, filósofo da Renascença dizia que a cidade não era feita de pedras, era feita de homens – como não haver nela uma dimensão social? A "urbanidade", esta atmosfera subjetiva das cidades prescinde da humanidade? Uma cidade sem habitantes nada mais é do que um pesadelo.). Frequentemente confundida com o pitoresco,ela pode ser a quarta dimensão das paisagens urbanas, mas esta dimensão não seria a finalidade implícita de toda a arte urbana?
(E por falar em tecnologia acho que o veículo particular foi o segundo maior agente transformador (e destruidor) das áreas urbanas na história das cidades – em primeiro vêm as guerras).

1 – Nós chamamos de cidades “espontâneas” aquelas que possuem um passado e uma maturidade, em contraposição às cidades “novas”, criações artificiais. Fica no entanto subentendido que cidades “novas” podem eventualmente tornarem-se “espontâneas”, como acontece frequentemente na história do urbanismo.

2 – Embora os exemplos mencionados sejam antigos, é possível citar vários outros na arquitetura contemporânea.

3 – Frank Lloyd Wright in “Disappearing City” N.Y. 1945.

4 – Aldo Rossi in “L’Architettura della Citta”, Padova 1966.

5 – Claude Levi-Strauss in “Tristes Tropiques”, Paris, 1955, citado por Aldo Rossi.

6 – Camillo Sitte in “L’artde bâtir lês villes”, Edição Francesa, Equerre, Paris, 1980.

7 – Gaston Bardet in “L’urbanisme”, Paris, 1947.

8 – Edmund N. Bacon, “Design of Cities”, N.Y., 1967.

9 – Colin Rowe e Fred Koetter, “Collage City”, Cambridge.


N.T. - Fiz esta tradução a partir do texto em francês, verificando-o no final com a tradução em inglês.