PALLADIO

segunda-feira, janeiro 07, 2008

REFAVELA

As cenas de violência policial no despejo dos moradores da favela Real Parque estiveram presentes em dezembro pp. na mídia de São Paulo. O que não foi dito é que esta favela existe desde 1965 (anterior, portanto, à própria marginal do Rio Pinheiros), tendo sido formada por operários da construção civil que trabalhavam na época, na construção do estádio do Morumbi, há mais de 40 anos, portanto. Com o Plano Diretor Participativo de 2004, o local constituiu-se em uma ZEIS-1, zona destinada por lei a ter 80% de sua área ocupada por habitações de interesse social para pessoas de baixa renda. No entanto, o governo do Estado e a Prefeitura de São Paulo, arrogantemente, não revelaram nem o que farão da gleba e muito menos o destino que darão aos desalojados.

Assim sendo, parece-me que voltamos à Renascença ou ao Barroco, quando o urbanismo era a "arte urbana", ofício que se adotava para embelezar ruas e praças nobres das cidades, para deleite da aristocracia decadente e da burguesia ascendente. Hoje, em Sampa, enquanto se ergue uma monumental e desnecessária ponte estaiada sobre o rio Pinheiros, bem em frente desta favela, uma comunidade inteira é brutalmente despojada de seus lares e pertences, seus barracos demolidos e seu destino... bem, este só o prefeito, o governador e Deus devem saber. Ah, e a proximidade deste ato com o Natal e as festividades de fim de ano acrescenta sadismo e crueldade à ação das "autoridades".

Os moradores da favela Real Parque dizem ter conhecimento de que a SEHAB está desenvolvendo um projeto para o local, com prédios de 12 pavimentos, contemplando 750 famílias. Acontece que moram hoje na favela 1.200 famílias com renda média entre 1 e 3 salários mínimos e que não terão condições de arcar com o custo do condomínio de prédios de 12 andares.

Sabedores também de que, por ser a área uma ZEIS 1, deveria existir um Plano Participativo com Conselho Gestor Paritário, os moradores da favela já teriam ido há tempos à subprefeitura do Butantã e na SEHAB solicitar a implementação do Conselho Gestor Paritário (com sua participação), mas até hoje nenhuma providência foi tomada além da de retirá-los do local a pau. Há também quem diga que a construtora Gafisa, que está erguendo ao lado da favela um dos seus condomínios de luxo, está oferecendo algum dinheiro aos favelados para que estes se retirem do local (isto aliado à pressão da PMSP, que quer a gleba desocupada até meados de janeiro); uma mescla imoral de negócios particulares com gestão pública, como se vê. (Aliás, não acho a denominação “favela” pejorativa, afinal ela existe há mais de cem anos, é quase mítica e está imortalizada no cancioneiro popular, em romances e contos, em poesias e novelas, no teatro e no cinema, etc.)

[..."A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão;
Tu pisavas os astros, distraída “...]

Estes versos, de Orestes Barbosa, referem-se à favela do morro do Salgueiro (RJ) e estão, certamente, entre os mais belos escritos da língua portuguesa. No entanto, como urbanistas, não devemos romantizar a favela; ela é, simplesmente, a solução que o povo "sem-teto" dá ao seu problema habitacional: ocupando áreas devolutas, se possível próximas a locais onde existam oportunidades de trabalho. Por esta razão é que é tão importante a regularização da situação fundiária destas comunidades, antes mesmo de qualquer intervenção física visando o aumento da qualidade de vida no lugar. Insisto que é importante a manutenção desta população na vizinhança escolhida (por eles) para o seu assentamento. No Rio de Janeiro ainda se tenta a reurbanização de favelas ao lado de bairros ricos ou de classe média, mas em São Paulo a classe média baixa e o proletariado foram e estão sendo relegados a bairros periféricos da cidade, com poucos recursos e atrativos urbanos, transporte público deficiente, altas taxas de desemprego, violência policial, presença de grupos de extermínio, traficantes, etc..

Na realidade já estamos em janeiro e ainda não vi nenhum dos nossos institutos (IAB, ASBeA, Sindicato) ou dos nossos mestres urbanistas, manifestaram-se sobre o assunto ou seja, a questão não lhes despertou interêsse algum. Ou será por que o carnaval ainda não passou?

quarta-feira, janeiro 02, 2008

ARQUITETURA X MEIO-AMBIENTE

O assunto do momento é arquitetura sustentável; problemas relativos ao meio-ambiente, à energia renovável, à preservação dos corpos d’água e temas afins estão constantemente em destaque em fóruns de debates, rádios e TV’s, jornais e revistas, salas de aula, etc.. Podemos observar também que esta (a arquitetura sustentável) começa a despontar como instrumento de marketing do capitalismo para incrementar novos negócios imobiliários e mesmo para a criação de uma “indústria da ecologia” (no mau sentido da expressão)

Lembro aqui que os bons arquitetos brasileiros sempre estiveram preocupados com a relação entre suas obras e o meio ambiente, a paisagem, com a criação e preservação de áreas verdes, o conforto térmico e a ventilação e iluminação naturais dos espaços construídos, etc. No entanto, estamos assistindo na mídia em geral, a banalização da questão da construção “sustentável” como se esta pudesse ser equacionada em termos de fórmulas e receitas de arquiteturas ecologicamente corretas, sem levar em conta o meio urbano onde elas se inserem, os mecanismos de produção capitalista da edificação e o trato da habitação como uma mercadoria a ser vendida como um bem de consumo qualquer (além da exploração desenfreada do homem e da natureza pelo sistema econômico-social vigente).

Assim, estamos começando a ver grandes incorporadoras e empreiteiras fazerem a promoção dos seus condomínios de luxo como " sustentáveis" por que usam água da chuva para a descarga das privadas e "energeticamente suficientes" porque suas piscinas são aquecidas por um coletor solar. Esta maneira de abordar o assunto (a casinha ecologicamente correta) acabará por levar o problema real para o lugar comum da "moda" do momento, destinado a ser esquecido após uma temporada de "sucesso" midiático.

A questão ecológica é hoje, fundamentalmente, uma questão de Política Internacional. Os países ditos "do primeiro mundo" desenvolveram-se explorando brutalmente a natureza (e os países do terceiro mundo), até chegarmos ao ponto atual de saturação do meio ambiente, prejudicando, assim, as possibilidades de real crescimento social e econômico das nações da periferia do capitalismo. Os estados "ricos" hoje querem manter seu padrão de consumo e nível de vida à custa da estagnação dos estados ditos "em desenvolvimento", pois nossa atmosfera não suportaria mais o crescimento do seu atual grau de poluição. Esta injusta desigualdade material não pode ser mantida em nome da ecologia - há que se buscar um acordo em que os primeiros abram mão de parte de seus privilégios para que os segundos possam se desenvolver sem maiores danos ao meio-ambiente. Combustíveis fósseis, monoculturas, bio-energia, desmatamento, sustentabilidade, tudo isto deve ser discutido, mas com base nesta premissa.

Li há pouco tempo uma entrevista com Rajendra Pachauri (Prêmio Nobel da Paz), onde ele diz textualmente que "países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, têm que cuidar de seus interesses mais urgentes, como o desenvolvimento e o combate à pobreza... Não é justo exigir destes países a mesma responsabilidade na preservação do ambiente que dos países desenvolvidos, que estão em outro estágio de conforto e progresso. A comunidade internacional precisa entender que as responsabilidades não podem ser divididas em partes iguais". Acho que a despolitização do debate pode levar a questão ecológica, como já disse, a mero modismo destinado a cair no esquecimento das causas banalizadas por sua abordagem superficial, esquecimento este que só interessa aos grandes poluidores da atmosfera, como os EUA e o Japão. Outro lado alarmante deste assunto é a sua "financeirização" pelo capital especulativo, com os tais "créditos de carbono" negociados em bolsas de valores e mercados futuros por fundos e corretoras; eis aí mais um fator complicador da questão, com estes papéis, com o selo da ecologia, sujeitos às negociatas e às crises sistêmicas do capitalismo.
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Comenta-se também que há no momento um excesso de consumo, por parte da humanidade, prejudicial ao meio-ambiente; frizo, no entanto, que apenas uma parcela muito reduzida da população do mundo tem acesso a este nível de consumo desenfreado de bens supérfluos. Vivemos em um planeta onde dezenas de milhões de seus habitantes padecem com a fome endêmica, onde a cada 5 segundos uma criança morre por desnutrição, o que resulta em 12 mortes por minuto, perfazendo um total de 720 por hora e, conseqüentemente, 17.280 por dia, mais de 6 milhões por ano (fonte: "Médicos sem Fronteiras"). Isto sem contar as mortes por doenças infecciosas (devido à falta de infra-estrutura e saneamento urbanos), catástrofes da natureza, epidemias, pragas, guerras... Insisto que, subjacente a esta onda de "sustentabilidade" midiática, selos verdes, créditos energéticos, está a intenção dos países centrais do capitalismo em frearem o crescimento do terceiro mundo, a fim de manterem seu consumo "normal", sem o risco de outros estados desenvolverem-se ameaçando a "sua" atmosfera. Para mim, uma sociedade "ecologicamente correta" terá de incluir o acesso de todos os seus membros à alimentação farta e sadia, à moradia decente, à educação e cultura continuadas. Diante desses fatos, discussões do tipo “construir com garrafas pet" são “conversa para boi dormir".

E para finalizar pergunto: as 12 mil bombas nucleares guardadas nos arsenais dos “grandes” por acaso não se constituem em ameaça (gravíssima) ao meio-ambiente? Nunca vi este assunto discutido nos fóruns sobre ecologia ou pela mídia. Estranho, não?

Dados acrescentados em 26/03/08

Levantamento da UNICEF em 2005 - no nosso planeta existem:

- 640 milhões de crianças morando em sub-habitações,
- 500 milhões de crianças vivendo sem saneamento básico,
- 400 milhões de crianças sem acesso à água potável,
- 300 milhões de crianças sem acesso à informação (rádio, TV, etc.),
- 270 milhões de crianças sem seviços de saúde disponíveis,
- 140 milhões de crianças que nunca foram à escola,
- 90 milhões de crianças que sofrem de desnutrição grave.

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