PALLADIO

segunda-feira, março 22, 2010

Cais do Porto em POA

Porto POA

Pelo que vejo, Porto Alegre não foge ao destino das grandes metrópoles deste país que é o de verem seus Centros Históricos decaírem pela perda da função Habitação, causada pela fuga de sua população original – a alta classe média – para bairros deles afastados. Tal fato se dá devido à tendência da burguesia de isolar-se das outras classes sociais de renda inferior à sua, ou falando em português claro, de manter a pobreza longe de seus condomínios luxuosos. Assim, na medida em que, paulatinamente, parte do comércio central e dos serviços passam a atender também os bairros da periferia, cuja população geralmente passa pelo local em seus deslocamentos diários aos locais de trabalho, os apartamentos de classe média vão sendo abandonados, permanecendo desde então desabitados e em processo de nítida deteriorização física.

Como nos conta a Tânia, a este fenômeno urbano em POA, se acresce o do abandono da zona portuária anexa (como no Rio de Janeiro), formando um quadro de subutilização da em geral excelente rede de infra-estrutura destes locais. Estou convencido de que a solução para este problema está na restauração da função habitacional do Centro Histórico, valendo-se o Poder Público da desapropriação dos imóveis residenciais abandonados (função social da propriedade privada) para a implantação de moradias para as classes ditas “C” e “D” (até, digamos, três SM de renda), subsidiadas, quando for o caso. Imagino que o local já possui escolas públicas em número razoável (como em SP), bem como comércio (gerador de empregos locais) parques e praças e que se constitue em importante nó no sistema de transporte público da cidade, o que em muito facilitará o referido processo de renovação urbana (a existência destes equipamentos e infraestrutura são usuais em centros urbanos antigos0.

Quanto ao cais do porto, a presença de uma zona central vizinha densamente habitada favoreceria a sua restauração, alguns dos seus armazéns poderiam ser transformados em quadras esportivas cobertas, centros de cultura e artesanato, sede de escolas de samba, etc.. Seria oportuna a tentativa de implantar o transporte fluvial mencionado pela Tânia, para trazer vida ao cais – também poderia se pensar em turismo aquático na Lagoa dos Patos; mas em traineiras à vela e não em lanchas envidraçadas e sofisticadas, por favor!

sábado, março 06, 2010

COMENTÁRIOS E ANOTAÇÕES - 1

Depois do Movimento Moderno
Josep Maria Montaner

Escolhi alguns trechos deste livro de Montaner, para comentários, pelo seu caráter acentuadamente crítico ou polêmico. Acho "Depois da Arquitetura Moderna" um ótimo ensaio sobre o Modernismo e o assim chamado "Pós-Modernismo" (que para mim significa principalmente "Arquitetura do Neo-Liberalismo"), discordando apenas do valor que ele atribui a Robert Venturi e a arquitetura populista norte-americana a qual, divulgada massivamente por interêsses de dominação e poder dos EUA, espalhou-se como uma praga pelo resto do mundo, infeccionando irremediavelmente as cidades com "lixo ocidental pop".


“A Primeira Difusão da Arquitetura Moderna”

[... A sociedade não pode renunciar ao desejo de aperfeiçoamento contínuo de suas questões básicas. Se as vanguardas foram coerentes em sua necessidade de renovação radical, seus descendentes o foram com a vontade de ajustar a arquitetura à realidade...]

A coerência maior e primeira estaria deste modo, em renovar a estrutura social e econômica da nossa sociedade tão desigual e injusta, pondo-se fim ao capitalismo e todas as suas formas de exploração do homem e da natureza – uma revolução. Acho que o desejo de aperfeiçoamento "das questões básicas" colocado por Montaner se refere tão somente ao conforto propiciado por novas tecnologias, algo para poucos, infelizmente.

“O Estilo Internacional”

[... O mais grave é que para promover este Estilo Internacional falsamente unitário, os experimentos dos futuristas, dos construtivistas russos, do expressionismo alemão, da Escola de Amsterdã ou da arquitetura organicista, ficaram marginalizados e silenciados. Além disto, a pretensão de estabelecer uns cânones, uma linguagem, um estilo, estava em contradição com algumas idéias chaves de arquitetos como Gropius ou experiências como a Bauhaus...]

Há muitos anos se sabe do envolvimento da CIA, durante a guerra fria, na promoção externa da cultura norte-americana, alavancando figuras como Philip Johnson, Jackson Pollock, Ernest Hemingway, Louis Khan (apesar de todos terem luz própria), inclusive financiando o MOMA (que vergonha) com este propósito. Montaner está a par do assunto e cita, no final do capítulo, este texto de Benedeto Croce:

[... Tudo isto não é casual, obedecia a uma explícita política cultural norte-americana que a partir dos anos trinta tentará controlar o mundo da produção cultural e artística. Para isso era necessário estabelecer uma boa comunicação entre Europa e América do Norte. Por um lado, importar as contribuições européias, mas enfatizando os seus aspectos formais e diluindo suas características mais revolucionárias; e por outro exportar as novas correntes norte-americanas. A promoção do expressionismo abstrato pelo MOMA a partir de 1945, durante o período da guerra fria é a amostra mais clara do nada inocente uso que o poder fazia das correntes artísticas e arquitetônicas...]

“Team 10”

[... Conforme mencionou-se, o ideal do "Team 10"¹ não era homogêneo senão que era composto por uma soma de idéias individuais de cada membro, idéias em muitos casos bastante contraditórias. De fato, este caráter democrático e liberal, que permitia em teoria a exposição de todo o tipo de idéias sobre arquitetura contemporânea, define a essência deste grupo..... De qualquer maneira, por detrás desta diversidade de visões existe um laço comum entre todos estes arquitetos que se expressa em sua visão da cidade – tentando recuperar a vida urbana da tradição – contemplando-a com respeito, mas com distância, sem nunca fazer citações literais, mas sim através da interpretação – da arquitetura – sobre a qual se propões essencialmente uma revisão formal – e do papel social do arquiteto..... E esta visão da cidade que defendem os Smithson, em sintonia com outros arquitetos ingleses e outros membros do "Team 10", baseia-se na idéia de que a cidade, além de ser contemplada com os olhos disciplinares de técnico, deve ser entendida como lugar de muitas outras manifestações humanas e materiais: o ambiente, a cor e a luz de cada canto da cidade, as pessoas e as crianças brincando, as árvores, os automóveis, os ônibus e as cabines telefônicas. Toda uma série de fenômenos e desenhos urbanos que são diferentes em cada cultura...].

A esta altura da história, até Le Corbusier, decepcionado com a indústria e o capitalismo, via com indiferença a “Carta de Atenas” (aliás, a obra do pós-guerra de LC, brutalista, era alvo de admiração por parte dos membros do "Team 10"); as experiências com a reconstrução das cidades européias segundo os cânones do urbanismo das vanguardas resultaram em desastres sociais e estéticos prontamente reconhecidos por dezenas de arquitetos além dos que compunham o "Team 10". Montaner procura nestes parágrafos, salientar a diferença dentre a postura do grupo (formado por arquitetos notáveis individualmente) e o neo-realismo de Aldo Rossi, o historicismo dos irmãos Krier e o populismo de Robert Venturi.

“As Propostas Radicais: o Grupo Archigram”

[... No campo da arquitetura, este otimismo tecnológico gera todo tipo de propostas, desde as mais pragmáticas até as mais fantasiosas...... As propostas mais exageradas neste campo são as do grupo Archigram, constituído na Grã-Bretanha em 1960. Este é formado pelos componentes de dois escritórios de arquitetura: por um lado, Peter Cook (1936), Dennis Crompton (1935) e Warren Chalk (1927-1987) e, por outro, David Greene (1937), Ron Herron (1930-1994) e Michael Webb (1937). O grupo edita a revista Archigram (1961-1970) que serve para divulgar seus panfletos e mostrar as imagens de seus projetos radicais e, em muitos casos, irrealizáveis...... Tudo isto nos mostra que, em diversos casos esta arquitetura parte de uma imitação superficial, evocativa, formal, epidérmica e camuflada do mundo da ciência e da tecnologia, e não de uma rigorosa interpretação das leis da engenharia, de um profundo conhecimento científico e experimental das possibilidades reais dos novos materiais e tecnologias, de uma clara consciência dos problemas estruturais das novas tipologias. Mas além de suas limitações e camuflagens, o Archigram e os arquitetos tecnológicos lançaram um desafio histórico: a arquitetura deve abandonar seu reduto artístico, artesanal e histórico e entrar no mundo da produção industrial sem escusas nem exigências de um trato especial. A arquitetura deve ser um produto mais ligado à indústria. Somente uma parte da arquitetura atual aceitará esta idéia. A maioria, desde Kahn até Rossi, passando por Venturi, seguirão defendendo os elementos culturais,históricos, humanos e diferenciados da arquitetura em relação às leis escritas da produção industrial e material...]


No mesmo ano em que surgiu o Archigram, do outro lado do mundo apareceram os metabolistas japoneses com utopias urbanas semelhantes, embora fortemente influenciadas, em sua parte estrutural, pelo brutalismo de Le Corbusier, mestre de Kenzo Tange. Ambos os grupos sobressaem-se, ao meu modo de ver, por produzirem projetos urbanos simplesmente inabitáveis, na sua época ou no futuro. A parte da arquitetura atual que levou adiante os princípios ideológicos do Archigram a qual se refere Montaner foi a corrente “High-Tech”, principalmente a inglesa, cujos expoentes são Norman Foster, Richard Rogers, Michael Hopkins, Cedric Price, Ove Arup (Peter Rice e Martin Francis) e Renzo Piano, este último como “outsider”, podendo estes arquitetos ser considerados os filhos bem comportados e tecnicamente melhor preparados do Archigram. No entanto acho o “High-Tech” uma arquitetura profundamente reacionária, embora bela, pois apenas uma minúscula parte da população global pode a ela ter acesso (grandes bancos e empresas, estados ricos, indivíduos milionários, etc.). A título de curiosidade lembro que a maioria absoluta das estruturas deste movimento foram calculadas por Peter Rice e os caixilhos desenhados por Martin Francis, o que me leva a perguntar – o que seria do “High-Tech” sem estes dois? Além disto, não posso deixar de notar que os edifícios desta corrente frequentemente apresentam uma interface inamistosa para com seus usuários e com a própria cidade.

“A Arquitetura da Cidade de Aldo Rossi”

[.... As propostas destes arquitetos², que ao longo do tempo começaram a divergir, partiram em grande parte dos conceitos propostos por Rogers (Ernesto Nathan Rogers): as preexistências ambientais, o papel crucial da história da arquitetura, o centro de discussão sobre a tradição na cidade européia, a idéia de monumento, a responsabilidade do artista e do intelectual dentro da sociedade moderna, assim como o dever de continuar com o ensino dos mestres do movimento moderno.

Na metade dos anos sessenta começam a perder protagonismo determinados mestres italianos como Gardella, Albini, BPR, Quaroni e outros ao mesmo tempo em que esta nova geração de arquitetos entra em cena¹. Uma geração que considera a crítica e a história como instrumento de projeto, que entende a arquitetura como um processo de conhecimento e se recusa a separar teoria e realidade.

O panorama italiano dos anos sessenta gera uma abundante quantidade de textos, críticas, manifestações e algumas obras emblemáticas. Entre todas as propostas a que terá mais influência será a de Aldo Rossi (1931-1997). As razões básicas serão o rigor e o interesse de seus escritos teóricos e o atrativo de sua linguagem pessoal arquitetônica.

..... O edifício do bairro Gallaratese (Milão, paragigma desta fase madura de Rossi e dentro das coordenedas do chamado neo-racionalismo, expressa esta confiança nos critérios tipológicos e no trabalho de reflexão sobre a história. Rossi recorre a uma linguagem que, ao mesmo tempo em que entronca com os critérios propostos do classicismo ilustrado, também expressa inequívocas ressonâncias modernas, especialmente da tendência a abstração dos arquitetos da "nova objetividade" alemã como Hilberseimer, Schmidt e outros......De todas as maneiras, o fato de que o contíguo conjunto residencial de Carlo Aymonino (Montaner está comparando-o ao edifício de Aldo Rossi) tenha resistido muito mais ao passar do tempo desde um ponto de vista material diante da ruína atual do bloco de Rossi, nos mostra até que ponto sua obra pertence ao terreno dos desenhos e dos manifestos e carece a princípio de uma real qualidade tectônica e volumétrica..... As propostas de Rossi e Grassi possibilitam um processo de enriquecimento cultural a custa de uma certa redução e constrangimento do campo aberto pelas vanguardas. Existe também uma forte evolução em relação às propostas de seu mestre Rogers. Mesmo herdando este interesse neorealista pelo ofício, a procura de certezas leva a superar o conceito de préexistências ambientais através da pretendida visão científica, mas por outro lado mais rígida e acadêmica, baseada na análise dos tecidos urbanos e do instrumento da tipologia arquitetônica. Da visão dinâmica e fenomenológica de Rogers, passamos a uma visão estática. Diferentemente de Rossi, Grassi insiste com maior fervor - como Giorgio Muratório - que a procura de certezas conduz à defesa do ofício artesanal. As normas acadêmicas devem ajudar a transmissão e aperfeiçoamento da disciplina arquitetônica. Tafuri sinaliza, porém, que nem Rossi nem Grassi seguem rigorosamente a objetividade histórica que predicam, já que fazem da história uma leitura subjetiva e deformada...]


No início do texto acima, Montaner relata o papel dos arquitetos que descolaram a arquitetura italiana da vertente principal do modernismo Europeu, sob a influência direta e evidente de Ernesto Nathan Rogers. Depois coloca-nos diante da velha dicotomia entre teoria e prática; os problemas na obra construída de Rossi diante da força da sua teoria. Aliás, problemas tectônicos, de construção, de obra mesmo, têm sido uma constante ao longo do Movimento Moderno, desde a Villa Savoya e as Maisons Citroen de LC até os edifícios atuais de Rem Koolhas e outros. Le Corbusier ainda tinha a desculpa de estar lidando com tecnologias incipientes, mas no caso de Koolhas a causa é o estrelismo que faz os arquitetos do “star-system” projetarem suas obras para serem fotografadas para publicação antes mesmo de inauguradas e depois as abandonam à ruína quase que certa, causada por deficiências projetuais. Outro aspecto que saliento foi a pouca compreensão das teorias de Rossi por grande parte dos arquitetos aqui da terrinha. Muitos de seus "filhos" tupiniquins, ignorando as diferenças históricas, de clima e tipológicas entre as cidades e a arquitetura do passado da Itália e do Brasil, cairam frequentemente na cópia e no pastiche desabusado e sem sentido. Em sua última fase no entanto, Rossi passou a dedicar mais atenção aos problemas construtivos, o que deu mais substância à sua obra.

Resumindo o que foi visto acima: a arquitetura evidentemente, comporta várias linguagens diferentes constituidas por códigos e símbolos ordenados por regras compositivas apropriadas e que se traduzem em imagens que transmitem mensagens. Estas podem ser para o leigo sinais de conforto, aconchego, luxo, riqueza, poder etc.; para o arquiteto e o historiador sua leitura pode indicar monumentalidade, funcionalidade, adequação ao contexto, solidez tectônica, de uso e por aí vai. A mensagem da beleza toca em maior ou menor grau os dois grupos acima.

A problema de comunicação surge quando a arquitetura é concebida apenas como imagem (resultado de uma linguagem perversa), sem nenhuma substância que não seja a capacidade de transmitir mensagens com fins mercadológicos (a maior delas é compre-me), ficando de lado sua funcionalidade, seus aspectos tectônicos, estruturais, sua inserção no meio urbano, etc.. Para minha modesta pessoa, o grande sacerdote deste tipo de arquitetura é o Robert Venturi, que considero um grande oportunista (para não dizer um picareta).

1 - Alison e Peter Smithon, Aldo van Eyck, Jacob Bakema, George Candilis, Sadrach Woods, John Voelcker, William Howel, R. Gutmann, Giancarlo De Carlo, Alex Josic

2 – Aldo Rossi, Carlo Aymonino, Manfredo Tafuri, Giorgio Grassi, Guido Canella, Vittorio Gregotti, Gae Aulenti, Marco Zanusso, Luciano Semerani e Giancarlo De Carlo, único italiano que se mantém como membro do Team 10.
(Segue)

As gerações da Arquitetura Moderna, segundo Josep Maria Montaner:

- 1ª geração (as vanguardas), início da produção a partir de 1910:

Walter Groupius/ Erik Gunnar Asplund/ Mies Van der Rohe/ Le Corbusier (Charles Edouard Jeanneret)/ Eric Mendelshon/ Gerrit Thomas Rietveld/ Hannes Meyer/ J. J. P. Oud/ Johannes Duiker/ Richard Neutra/ Hans Schmidt/ Hans Scharoun/ André Lurçat e outros.

Arquitetos como Frank Lloyd Wright/ Tony Garnier/ Auguste Perret/ Bruno Taut e outros pertenciam a uma geração anterior.

- 2ª geração, início da produção à partir de 1930

Alvar Aalto/ Joanes H. van der Broek/ Buckminster Fuller/ Josep Luis Sert/ Lucio Costa/ Marcel Breuer/ Arne Jacobsen/ Alfred Roth/ Giuseppe Terragni/ Egon Eiermann/ Junzo Sakakura/ Kunio Mayekewa/ Phillip Johnson/ Oscar Niemeyer/ Max Bill e outros.

- 3ªgeração, início da produção a partir de 1945.

Louis I. Kahn/ Ernesto Nathan Rogers/ Carlo Scarpa?Ignacio Gardella/ John Leslie Martin/ Alfonso Eduardo Reidy/ Eero Saarinem/ Kenzo Tange/ Georges Candilis/ José Antonio Coderch/ Jerzy Soltan/ J. B. Bakema/ Ralph Erskine/ Denys Lasdun/ André Wogenscky/ Jörn Utzon/ Aldo van Eick/ Francisco Xavier Saenz de Oiza/ Giancarlo De Carlo/ Alex Josic/ Sadrach Woods/ Guillaume Jullian de la Fuente/ Kevin Roche/ Peter Denham Smithon/ Alison Margaret Smithon.

- 4ª geração, início da produção a partir de 1960.

James Stirling/ Sverre Fehn/ Robert Venturi/ Aldo Rossi/ Herman Hertzberger/ Álvaro Siza Vieira/ Oriol Bohigas/ Josep Martorell/ e acrescento eu: Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Joaquim Guedes.

sexta-feira, março 05, 2010

"GREEN WASH"

Como era previsível há anos, a “ecologia” foi finalmente encampada pelo mercado na forma de “eco products” que agem muito superficialmente sobre os reais problemas referentes à exaustão da natureza (por sua exploração pelo homem) e que visam primordialmente à acumulação de capital decorrente da produção e venda de tais produtos, ancoradas em milionárias campanhas publicitárias destinada aos incautos de boa fé que caem no conto do “green wash” que quer dizer, literalmente, lavagem verde.

Um dos campos mais férteis para a aplicação desta jogada mercadológica é a construção civil, com a mistificação do edifício energeticamente sustentável pela certificação do “ecologicamente correto” através de “selos verdes” conferidos pelos fabricantes de materiais de construção ligados à indústria do “green wash” como o selo do LEED.

O LEED (Leadership in Energy and Enviromental Design) é gerenciado pelo USGBC (United States Green Building Council), agência esta ligada às construtoras e a indústria da construção civil norte-americana; seus interesses não levam em conta aspectos como os de geografia, linguagem e contexto local das arquiteturas sobre as quais pretendem atuar. Por si só, esta agência se constitui em uma enorme hipocrisia em face da posição do governo de seu país nas Conferências Sobre o Meio Ambiente de Manila e Copenhague.

Assim, esta certificação por selos serve às construtoras e incorporadoras como argumento de venda para seus crédulos clientes bem como justificativa para aumentar o custo das construções e consequentemente o lucro. Infelizmente, uma parte dos arquitetos tupiniquins aderiu entusiasticamente ao “Green Wash” ignorando seu impacto sobre os aspectos sociais, culturais e o ambiente urbano onde atuam, além de ignorarem a pobreza e a distribuição de renda do país.

Vemos também, ultimamente, a inclusão acrítica dos conceitos de sustentabilidade nos concursos públicos de arquitetura quando, por um lado, uma arquitetura excessivamente tecnicista feita de painéis foto-voltaicos, invólucros do tipo “pacote” de metal perfurado, caixilharias bizarras, etc., acabarão por nos levar de volta à uma arquitetura historicista e por outro lado ao descarte de tudo que a arquitetura brasileira autêntica tem de naturalmente “energeticamente sustentável” e de adaptação ao nosso clima: o cuidado com a implantação e o entorno, a insolação correta, a proteção solar, a ventilação natural, as áreas verdes sempre presentes (absorção das águas pluviais), o uso adequado de materiais locais, e por aí vai...

quinta-feira, março 04, 2010

PETIÇÃO PÚBLICA

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To: Governo do Estado de São Paulo
Esta petição, aberta a todos os cidadãos de São Paulo mas dirigida especialmente à classe dos arquitetos brasileiros, destina-se a levar ao conhecimento do Governo do Estado de São Paulo algumas considerações sobre a contratação irregular do escritório de arquitetura suiço "superstar" Herzog & de Meuron para o projeto do Palácio da Dança, no terreno da antiga rodoviária (que pertenceu ao falecido Otávio Frias do grupo Folha de São Paulo).

1 - O governador José Serra, que escolheu este escritório, está em campanha aberta para a Presidência da República e pretende gastar no “Palácio” cerca de 300 milhões de reais (que já sabemos que se transformarão, durante a obra, em 600 ou 700 milhões) visando a um já mais do que manjado "Efeito Bilbao", de caráter eleitoreiro, em um estado com enormes carências na área habitacional, educacional, de transporte e saúde, com problemas de infra-estrutura e fundiários graves, etc. Além disso, o resultado arquitetônico de tais projetos feitos para a mídia internacional, em geral resultam deploráveis, como o próprio Guggenheim de Bilbao, de Frank Ghery, a casa da música do Porto, de Rem Koolhaas, o arranha-céu de Lomas de Chapultepec, Cidade do México, do mesmo arquiteto, as torres de Milão, de Daniel Liebeskind, etc..

2 - Pretende o Governo do Estado pagar ao Herzog & de Meuron 25 milhões de reais pelo projeto, enquanto que a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), por exemplo, paga cerca de 15 mil reais por projeto de escola de segundo grau com 15 salas de aula aos nossos arquitetos, o que não deixa de ser uma afronta à nossa categoria profissional.

3 - Vá lá que um escritório estrangeiro venha trabalhar no Brasil, se houver reciprocidade por parte do seu país, mas é evidente que tem de ser pelos mesmos honorários que o estado paga aos escritórios nacionais.

4 - O responsável pelo andamento deste projeto é o Secretário da Cultura, João Sayad, um banqueiro (ex?) e político, que quando dono do banco SRL S.A., participou ativamente da privatização das companhias de eletricidade e do Banespa, aqui em SP. Aliás é muito curioso que gente como o Sayad, o Luna, o Reichstul, o Lara Rezende, o Pérsio Arida, o Edmar Bacha e o Andrea Calabi, entrem no governo como professores universitários e saiam todos como banqueiros.

5 - Para fazer parte do "star system" arquitetônico internacional não é necessário muito talento, mas sim carisma, ambição social e uma boa assessoria de imprensa. O arquiteto catalão Ricardo Bofill, membro deste "Jet-set", disse certa vez que almejava a fama, mas não a do tipo que tiveram Le Corbusier e Walter Gropius, mas sim como a dos Beatles; já Phillip Johnson, ícone maior do estrelismo arquitetônico, não fazia segredo de sua falta de talento; quando certa vez um interlocutor apontou-lhe um defeito em um dos seus projetos, ele justificou-o explicando candidamente que era um “bad architect”. Pritzker por Pritzker preferimos o Oscar Niemeyer e o Paulo Mendes da Rocha.

6 - O Brasil tem pelo menos umas duas dezenas de arquitetos de nome que já projetaram teatros, salas de concerto, casas de ópera (e dança, naturalmente). Nos anos recentes o Instituto de Arquitetos do Brasil promoveu vários e concorridos concursos assemelhados, como a sede do grupo de dança "O Corpo" em MG, a Escola de Artes Cênicas da Unicamp, em Campinas, o Teatro Municipal de Londrina, PR, o complexo teatral de Natal, RN, a sede da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, etc.. Experiência no tema proposto é o que não falta aos nossos arquitetos.

7 - Aliás, os estudantes de arquitetura devem estar indignados; por que os fazem estudar arquitetura brasileira e internacional, arte e cultura brasileira e internacional, se no final das contas contratam um escritório estrangeiro?

8 - E por fim, ao que se saiba, ainda está em vigor a lei 5.194/66 que regula o exercício da profissão no Brasil, principalmente nos seus atigos 13 e 15. Um concurso internacional patrocinado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil seria até bem-vindo, desde que não discriminasse os escritórios nacionais e que fosse remunerado segundo as tabelas de honorários de nossos orgãos de classe e não pelas quantias astronômicas de um primeiro mundo ao qual ainda não pertencemos.

Euclides Oliveira - Arquiteto
Pitanga do Amparo - Arquiteto