PALLADIO

quarta-feira, junho 27, 2007

HISTÓRIA FEIA

Em 2004 meu escritório ganhou um Concurso Nacional para o desenvolvimento de um novo bairro na Barra Funda, patrocinado pelo IAB-SP, a SEMPLA e a EMURB, projeto este que prometia alavancar a Operação Urbana Água Branca, então estagnada. Compuseram o júri os arquitetos Paulo Zimbres (Brasília), Luis Fernando Freitas (RJ), Alberto Botti (SP), Alfredo Garay (Buenos Aires, autor de “Puerto Madero”), Nádia Somekh (SP), Jorge Wilheim (SP), José Magalhães Júnior (SP) que decidiram por unanimidade o resultado do Concurso.



No início de agosto daquele ano, fomos chamados para uma reunião na SEMPLA pelo então Secretário, Arquiteto Jorge Wilheim, que nos colocou a necessidade de concluirmos o projeto até novembro, para que a Câmara Municipal, sob a forma de projeto de lei, o aprovasse ainda em 2004. O prazo era curtíssimo, os honorários não eram lá essas coisas, mas formamos uma equipe com meia dúzia de outros escritórios de profissionais conceituadíssimos em suas disciplinas, em São Paulo e no Brasil, e atiramo-nos ao trabalho com o entusiasmo daqueles que querem ver seus projetos transformarem-se em realidade.



Assim, entregamos o anteprojeto em outubro (pelo qual recebemos os honorários) e o projeto básico no início de dezembro, como havíamos nos comprometido. Só que neste ínterim, a Marta Suplicy perdeu as eleições para a Prefeitura...



Para nossa decepção, com a mudança de governo mudou também o comportamento dos colegas da EMURB para conosco. De displicente, no início, tornou-se grosseiro e com o andar da carruagem, bastante mal educado. Nosso contrato foi suspenso pelo novo prefeito (José Serra) logo no início de janeiro, mas a EMURB, matreiramente, não nos avisou do fato, aproveitando-se de nossa ignorância sobre o que se passava para solicitar-nos modificações e correções sem fim em um projeto com mais de 300 folhas tamanho A1, fora planilhas, pareceres, tabelas e memoriais. Terminada a revisão, ao tentarmos receber os honorários restantes (50% do valor contratual), descobrimos que o projeto não tinha mais um Gestor (?). Apelamos então para o IAB, que muito nos auxiliou. Seu presidente, o arquiteto Paulo Sophia descobriu quem era a gestora do projeto, que nosso contrato estava suspenso e marcou uma reunião nossa com a presidente da EMURB, então a arquiteta Heloísa Proença. Nesta reunião ficou combinado que faríamos ainda algumas modificações que a EMURB desejava e que seríamos pagos na medida em que fôssemos entregando o trabalho. Assim, quando entreguei, em outubro, uma parte significativa do projeto revisada e cobrei meus honorários correspondentes, fiquei sabendo pelo Diretor de Operações Urbanas, para meu espanto, que não havia previsão no orçamento da EMURB para o pagamento de nossos honorários, fato este que me foi confirmado pelo arquiteto José Magalhães Junior da SEMPLA e que nosso contrato estava no jurídico por determinação da Presidência.



Conseguimos então uma audiência com o prefeito José Serra, que, com extrema grosseria, falou na nossa frente e com a maior cara-de-pau que não iria nos pagar, pois se tratava de um projeto "eleitoreiro da Marta" e que o cobrássemos da EMURB na Justiça; e ainda tivemos de ouvir do Sr. Andréa Matarazzo, subprefeito da Sé, que nosso projeto era ingênuo, pois que “jamais uma família iria morar no mesmo bairro que os seus empregados” (sic), ignorando (o subprefeito) que discriminação social é crime grave em nosso país até em elevador!



E aí está o verdadeiro nó desta questão que envolve o relacionamento dos pequenos escritórios de arquitetura como o meu com o Estado; a morosidade do nosso Judiciário encoraja políticos irresponsáveis como o José Serra a atitudes como esta, pois sabem que só daqui há dez, doze anos, haverá uma sentença definitiva para este caso. De qualquer maneira, luto contra um câncer há sete anos e certamente não viverei para ver a cor deste dinheiro.



E assim, por ter ganhado um concurso aberto de urbanismo, passei por um verdadeiro inferno nos últimos anos, fiquei com o escritório atolado em dívidas até o pescoço, que não tenho a menor idéia de como pagar, e ainda tenho de entrar com uma ação de cobrança contra a EMURB, que me será paga daqui a uns quinze anos em precatórios, de triste reputação. E pessoalmente ainda fica a tristeza de perceber que, com trinta e sete anos de profissão, ainda não consigo ser tratado ao menos com dignidade e respeito, não só por clientes, mas também por "colegas".

sexta-feira, junho 08, 2007

DE VOLTA AO PASSADO

O passado deixa um rastro
Que como caçadores seguimos
Atrás daqueles que nos amaram
E dos que nós amamos,
Dos duendes dos jardins,
Das risadas infantis,
Da turminha do colégio,
Da primeira namorada.
São pegadas de fantasmas
Que buscamos, fragmentos,
Ecos do que foi e morreu,
Sinais do que aconteceu.

Seguimos esta trilha longa e mítica
Onde o real é apenas parte
Do que reencontramos nesta volta
Em que as lembranças, às vezes,
São como pequenas cenas
Iluminadas, de um teatro de marionetes,
Onde fantoches representam o que passou.

E são lembranças tão antigas...
Um pátio, uma voz,
Uma laranja na mão,
O colar da mãe – o de contas nacaradas!
Os brinquedos no chão,
Um flamboyant em flor,
Costelas de Adão.


E os odores, o cheiro
Do café com leite,
Da manteiga (Aviação), do pão...
Bolachas Maria! Biscoitos de maisena!
Goiabada marca Peixe com queijo Palmira!
E os sons da manhã, sabiás
Bem-te-vis, rolinhas, tico-ticos

- Minha toalha é de renda de bico
Pega a laranja do chão, tico-tico.

O peixeiro abria o portão,
Cesto de vime na cabeça,
Ia até a porta da copa:
- “Peixe fresco freguesa”!
O tripeiro vinha de triciclo.
Mostrava sua mercadoria;
Fígados de boi, dobradinhas, rins,
Que minha avó fazia no espeto
Com toucinho e molho de vinho.

E tinha o bonde, circular
Gávea- Leme, que pontuava
Com sua presença o rolar das horas;
Tinha o “Taioba” do Seu Militão,
Motorneiro alegre que passava acenando
Para os moleques que gritavam o seu nome.

Na Adolfo Lutz as brincadeiras
Iam até o final da tarde, pique,
Jogo de amarelinha nas calçadas,
Bola de gude no quintal da Dona Aurora
E a pelada (com bola de couro!) disputada
No asfalto ardente; depois, o banho,
Roupinha limpa e ver a noite chegar
Enquanto se esperava o jantar.

As noites da Gávea eram frescas
Com a montanha e a floresta ao lado;
Morcegos voejavam nos pés de abil,
Gambás rondavam os quintais,
Os cachorros latiam na escuridão.
Tudo mudava então:
Corredores ensolarados transformavam-se
Em túneis tenebrosos, atrás do portão
A rua solitária e silenciosa
Iluminada por um único lampião.

Portas eram então trancadas,
Janelas cerradas,
As casas e as famílias fechavam-se
Sobre si mesmas e passavam
A noite em sua espera tranqüila
Do sol, que nasceria
Dos lados do Corcovado,
Atrás do Redentor.