PALLADIO

sexta-feira, março 02, 2007

O Povo Das Ruas

Devido à nefanda política higienista adotada pela administração municipal (tanto a atual quanto a que lhe deu origem) acho oportuno o debate sobre a questão dos Sem Teto e aproveito para lembrar aos que me lêem que o nosso país é a pátria dos Sem; Sem Teto, Sem Terra, Sem Saúde, Sem Escola, Sem Comida, Sem Trabalho, etc..
Seria justo considerarmos como Sem Teto os favelados, os habitantes dos cortiços, os que moram de favor com parentes ou amigos...; porém vamos nos ater ao Povo das Ruas, que não é constituido apenas por mendigos mas, em grande parte, por pessoas que vendem sua força de trabalho em "bicos" temporários ou a empregam em serviços por conta própria como, por exemplo, a coleta de lixo reciclável.
Sabemos que os Sem Teto se constituem em um fato social complexo, que é real tanto no terceiro quanto no primeiro mundo; os EUA contam com cerca de 200.000 "Homeless" permanentes há mais de vinte anos e 700.000 transitórios, que se renovam a cada estação, enquanto que na Europa este número também beira o milhão. No Brasil, pelo último censo do IBGE (2005), temos um deficit de moradias da ordem de 7.000.000 de unidades, o que nos dá uma idéia da escala do problema.
Embora a miséria e a fuga do campo causada pela fome sejam componentes importantes desta questão, Também o são o desemprego, o sub-emprego, os salátios baixos, a violência doméstica, os desajustes familiares, o alcool e as drogas, crianças rejeitadas e idosos abandonados e, por que não, os de espírito livre e nômade, que não se adaptaram à nossa sociedade sedentária baseada na posse de bens físicos e conforto material.
Assim, estamos diante de um fenômeno tipicamente urbano, que será resolvido apenas parcialmente com o fim do deficit habitacional (o que poderá levar ainda anos ou mesmo décadas); de alguma maneira os direitos inerentes a cidadania têm de serem estendidos aos que continuarem, ou preferirem continuar nas ruas na forma de abrigos noturnos, assistência médica, psicológica e odontológica, amparo legal (direitos humanos), escolaridade, trabalho, tudo isto adaptado, quando for o caso, à cultura nômade de parte desta população.
Soluções criativas para tais problemas são inúmeras (como a do ex-boxeador Nilson Garrido que montou uma academia sob o viaduto do Bexiga), o importante é combater a mentalidade do atual Sátrapa da cidade e dos seus áulicos, como o sub-prefeito da Sé, que criminalizam os moradores de rua, tratam-os de forma autoritária, como se fossem uma escória humana e não como cidadãos em plena posse de seus direitos civís, construindo ridículos dispositivos "anti-mendigos", mantendo albergues com regime carcerário, tudo isto dentro da mentalidade reacionária e INADIMISSÍVEL das classes ditas superiores deste país de esconderem a fealdade, a pobreza e os miseráveis que eles próprios criaram.
E para finalizar este artigo, volto ao tema do deficit e das políticas habitacionais do nosso país pelos comentários do arquiteto italiano Giancarlo de Carlo (já falecido) sobre o CIAM ocorrido em 1928 em Frankfurt:
“Hoje, quarenta anos depois do congresso, constatamos que aquelas propostas transformaram-se em casas, bairros e subúrbios, e depois, em cidades inteiras, manifestação palpável de um abuso perpetrado de início com os pobres e em seguida com os não tão pobres assim; álibis culturais para a especulação econômica mais feroz e a incapacidade política mais obtusa. E, no entanto os “por quês” esquecidos com tanta freqüência em Frankfurt ainda têm dificuldades de assomarem à superfície. Ao mesmo tempo temos o direito de perguntar “por que” a moradia deve ser a mais barata possível e não, por exemplo, relativamente cara; “por que” em vez de fazer todo o esforço possível para reduzi-la a níveis mínimos de superfície, de espessura, de materiais, não deveríamos torná-la espaçosa, protegida, isolada, confortável, bem equipada, rica em oportunidades de privacidade, comunicação, intercâmbio, criatividade pessoal. Ninguém, na verdade, pode dar-se por satisfeito com uma resposta que apela para a escassez de recursos disponíveis, quando todos sabem o que se gasta nas guerras, na construção de mísseis, nos projetos de exploração da lua”... (no caso do Brasil, o que se gasta em juros, subsídios, corrupção; devemos nos perguntar como queremos que morem nossos trabalhadores e não quanto eles podem pagar por isto).
DE CARLO, Giancarlo. - “Legitimizing Architecture: the revolt and the frustration of the school of architecture”. In BEKAERT, G. (ed.), Forum, vol. 23 nº 1, 1972, p. 3-51.