PALLADIO

quarta-feira, novembro 22, 2006

Sobre o Monumental

Famoso é o início do memorial descritivo de Mestre Lúcio Costa para seu projeto do Plano Piloto de Brasília, quando este diz que é necessário ao urbanista, ao abordar o desenho da capital, estar imbuído de “certa dignidade e nobreza de intenção” para chegar à monumentalidade da “Civitas”, explicando logo a seguir: [...Monumental não no sentido da ostentação, mas no sentido da expressão palpável, por assim dizer, consciente daquilo que vale e significa...], ou seja, que caberia ao arquiteto-urbanista conferir ao real os valores simbólicos ou míticos dos espaços construídos.

Aldo Rossi considerava [...os monumentos, signos da vontade coletiva, expressos através da arquitetura...], conceito este próximo ao do Dr. Lúcio, se considerarmos que esta vontade subentende os valores e ritos cívicos, sociais, sagrados ou mágicos de uma população. Já Louis Kahn tinha uma visão mais poética do monumental, trazendo-o para o nível do inconsciente ou mesmo do transcendental: [...A monumentalidade é enigmática. Ela não pode ser intencionalmente criada. Nem o material mais caro nem a tecnologia mais sofisticada precisam ser utilizados em uma obra de caráter monumental...]. Há uma contradição nesta frase, como surgiria então o monumento? Apenas pelo programa (assembléia, catedral, palácio, etc.)? Seus próprios edifícios em Dacca o desmentem, ali a tecnologia e os materiais realmente são artesanais mas neles podemos ler claramente a intenção do arquiteto “imbuído de dignidade e nobreza de intenção” de chegar ao monumental (o que consegue com grande mestria).

A escala, sabemos, também não conta como fator relevante, a Pequena Metrópolis de Atenas, com sua única cúpula, não é menos monumental do que São Marcos de Veneza, com cinco magníficas cúpulas, para ficarmos apenas em um exemplo Bizantino, mas somente o significado intrínseco de um edifício não basta para conferir-lhe monumentalidade. Sentimos logo a primeira vista que o Palácio da Alvorada é um edifício monumental, enquanto que a residência do Presidente da Finlândia, projetada por Reima Pietilei, em Helsinque, intencionalmente não o é. E seria realmente relevante o fato do edifício simbolizar valores? Assim sendo, seriam os palácios de Albert Speer monumentais, já que expressavam o credo (espúrio) nazista de uma raça ariana dominadora? Difícil... Como em tudo na vida, há aqui aspectos éticos que não podem ser ignorados, mas como encarar, por exemplo, edifícios que perduraram na história e que certamente foram construídos por escravos? Será a monumentalidade apenas um fato estético completamente indiferente à ética? De qualquer maneira não há como negar que as edificações de caráter monumental são quase sempre signos de poder político (republicano, monarquista, feudal), econômico ou religioso, ou seja, são expressões das classes dominantes e, muitas vezes, símbolos de opressão em suas sociedades, no passado.

Hoje em dia, com nossa terrinha mergulhada no culto ao mercado, o estilo neoclássico está presente como símbolo kitsch de poder e posição social para consumo de basbaques incultos das classes média e alta, numa monumentalidade de comédia, de pastiche; mais comum ainda, são os incorporadores erguerem seus mastodontes buscando o monumental através do “espetaculoso”, do insólito, da mistura sem coerência de materiais caríssimos de construção com um pseudo arrojo de linguagem formal. É como se a rua fosse o local para uma “guerra” de fachadas, cada qual querendo sobressair-se entre as demais, como que a dizer: “vejam, sou um sólido investimento e ainda confiro status a quem me comprar”.

Enfim, para Giulio Carlo Argan, a fachada, como elemento de monumentalidade, “é um fato visual pertencente ao exterior, sendo demonstrativo para o público do valor e do significado do edifício ao qual pertence. Não é um elemento de separação entre o interior e o exterior, mas os coloca em comunicação”. Neste caso, assino embaixo do que nos diz Argan: posso “ver” através de “curtain-walls” de vidro azul espelhado, banqueiros ávidos por lucros, empresários de olho no seu gordo caixa dois, industriais contando quantos empregados necessitam demitir até o natal, etc. Mas vejo que estou me referindo realmente à tipologias arquitetônicas e, gozações a parte, acho (ao contrário do Ricardo Bofill) que edifícios de habitação ou de serviços jamais deveriam possuir um caráter monumental dentro de uma estrutura urbana e sim, como queria Siegfried Gideon, servirem como “pano de fundo” para os edifícios públicos ou de interesse da comunidade.

E para finalizar, todo monumento possui um caráter monumental? Acho que não; edifícios de grande valor histórico podem ser monumentos importantes sem nenhuma monumentalidade aparente. Assim, fica evidente que a forma tem muito a ver com o monumental; mas de que maneira? Proporções? Simetria? A monumentalidade seria um arquetipo em nosso inconsciente coletivo como insinua Khan?
(continua).

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