PALLADIO

terça-feira, outubro 10, 2006

DEUS ESTÁ NO DETALHE

Deus está no detalhe; a frase original é do romancista francês Gustave Flaubert – “Le bon Dieu est dans le detail” – tendo Mies van der Rohe dela se apropriado, difundindo-a no meio arquitetônico como “God is in the detail”, ficando esta sua versão em inglês famosa nos anais do movimento moderno.

Mas como entender esta máxima do ex-diretor da Bauhaus que, exilado nos EUA, criou com sua obra os fundamentos tanto do “International Style”, quanto do novo Brutalismo europeu? Como um louvor ao minimalismo? Como a supremacia das partes sobre o todo? Sobre o bem construir?

Aposto nesta última hipótese: Mies não separava a arte da arquitetura de sua construção (Baukunst) e é neste contexto que sua célebre frase deve ser compreendida, o detalhe como sendo a alma de uma perfeita transformação do projeto em obra construída. Quem já projetou e construiu, ou ao menos acompanhou a sua construção, sabe o quanto um projeto mal detalhado e especificado está fadado a transformar-se em uma arquitetura porcamente realizada, que pouco irá perdurar no tempo; e que bons detalhes não significam obrigatoriamente detalhes sofisticados. A sua perfeição e elegância não implicam na utilização de produtos caros ou raros e muito menos no sacrifício de outros aspectos importantes da arquitetura, como a função, a adequação ao meio ambiente, à tradição construtiva local, à beleza, etc.

Enfim, para Deus habitar nossos detalhes, devemos fazê-los racionais, valendo-nos da lógica, além da inspiração, respeitando as características dos materiais empregados, levando em conta a mão de obra que irá executá-los, integrando-os, com simplicidade, ao todo arquitetônico, como tão bem o fazia Mies van der Rohe. E ainda temos de estar atentos para a questão tecnológica, evitando a imposição, pelo mercado, de sistemas e produtos alheios ao nosso clima e a nossa cultura. Como disse Fernando Salinas, [...O encontro de nossa identidade não é somente uma necessidade cultural ou artística mas, primordialmente, uma necessidade econômica de desenvolvimento, decisiva para nossas sociedades....].

Para encerrar o texto, um assunto curioso: não passa despercebido a ninguém a forte semelhança de linguagem entre os arquitetos “High-Tech” europeus, muito além da que poderia ser atribuída à identidade ideológica entre eles. Pois bem, é só verificar nos créditos das revistas e livros dedicados ao assunto, que Peter Rice (como engenheiro de estruturas) e Martin Francis (responsável pelo detalhamento das esquadrias, ou melhor, das “peles" dos edifícios), trabalharam em praticamente todos os projetos de Renzo Piano, Richard Rogers, Norman Foster, Michael Hopkins, Nicholas Grimschaw, etc. Peter Rice, já falecido, calculou grande parte das estruturas mais belas da segunda metade do século XX (começando pela Ópera de Sidney de Jörn Utzon) e Martin Francis, arquiteto-naval de formação, desenhou, além dos mais sofisticados sistemas de fachadas utilizados hoje, grandes veleiros de regatas e uma série considerável de acessórios marítimos.