PALLADIO

segunda-feira, setembro 18, 2006

Na Boca da Noite

O galo morto,
A garrafa de pinga,
O charuto, a farofa,
Na quebrada da esquina;

O atrás – dos- muros,
Os anões dos jardins,
O chegar devagar
Do fim do dia;

Hora da Moura-Torta,
Hora do cachorro louco,
Hora do Velho-do-Saco,
Hora de assombração;

Os pássaros quietos
No alto das árvores,
O bater das asas
Dos morcegos no quintal;

A prata da lua
Nas folhas das bananeiras,
O sopro do vento
Nas cortinas que esvoaçam;

E a mãe que não chega,
O pai que não está,
O restar, ficar só,
Na boca da noite;

Os desvãos ocultos
Por pó e coisas velhas,
A ameaça que reside
Atrás de cada porta;

As sombras que ficam
No fim da escada,
O sótão escuro,
A lâmpada apagada;

O bonde que passa,
Os passos no pátio,
Os roncos que vêm
Do quarto ao lado;

E a promessa quebrada,
A jura descumprida,
O mal não desfeito,
A reza interrompida;

A gaveta aberta,
O retrato amarelado,
A fita vermelha,
A carta rasgada;

O vestígio dos sons
Que se foram com o dia,
O latido dos cães
Do fundo da noite;

O gemido, de súbito,
Do portão que se abre
O assoalho que range,
Alguém vai chegar.

(Quem?)

Euclides Oliveira - 2005.