PALLADIO

segunda-feira, setembro 11, 2006

Forma e Construção III

No artigo passado sobre este tema, fiz algumas considerações sobre a forma em contraposição ao formalismo; o século passado nos oferece exemplos conclusivos de como a burguesia apreende rapidamente os códigos formalistas ligados à estética do poder, do dinheiro, do "status social". O sucesso do neo-classicismo é prova disto, mesmo nas versões tresloucadas de Albert Speer e Piacentini. Mas o formalismo que mais rapidamente se espalhou pelo mundo foi o chamado pós-modernismo, apesar da fragilidade do seu embasamento teórico e do evidente oportunismo dos seus fundadores; vejamos o que nos tem a dizer Kenneth Frampton sobre um dos "Papas" deste pseudo movimento arquitetônico: [..."Venturi é de um cinismo inacreditável em relação aos desejos das pessoas. Apesar de ser um arquiteto ligado ao mundo acadêmico, um discípulo de Louis Khan, não poderia estar mais longe do mestre. Seu populismo barato, sustentado pela própria cultura norte-americana, causou (e causa) uma destruição difícil de avaliar...]

A dimensão da catástrofe foi determinada pela extraordinária capacidade da mídia daquele país em influenciar globalmente os basbaques ávidos por aderirem ao "American way of life" e, principalmente, por que se tratava do primeiro movimento arquitetônico realmente "made in USA" (Frank Lloyd Wright foi um fenômeno isolado e único); e assim, um pequeno grupo de arquitetos charlatões conseguiu difundir suas idéias pelo mundo, com os seus imitadores de plantão infectando suas cidades com obras caricatas que satisfizessem "os mercados" e agradassem "o gosto popular". Consumiu-se a arquitetura "Pop" como se consome as calças "jeans", a coca-cola, o hamburger, o rock'n roll, o "hot-dog", os filmes de Hollywood.

Observando-se hoje estes acontecimentos das décadas de sessenta e setenta do século XX, podemos perceber o quanto era reacionário, como se encaixava perfeitamente no neo-conservadorismo nascente este modelo "do kitsch", do mau gosto arrogante da classe média americana (apesar da impressão que ele causou ao Príncipe Charles, lá em suas ilhas). A verdade é que o movimento moderno esteve ligado, em suas origens, ao socialismo e com o enfraquecimento político das maiorias sociais perante as forças da economia global e da ditadura dos mercados, os atores culturais (principalmente os do terceiro mundo) ficaram ideologicamente fragilizados e profissionalmente dependentes, com o retraimento do Estado, das elites dominantes e de suas fantasias estéticas.

Na arquitetura dos países centrais do capitalismo, vemos hoje uma pesquisa de linguagem constante ou então uma procura de fundamentos formais e de método nas tecnologias ditas "de ponta" que não conseguem disfarçar o seu lado formalista, devido a ausência de uma ideologia que as sustente além dos fatores de produção e consumo (exceção, como sempre, para os Álvaro Siza, os José Luiz Mateo, os Herman Hertzberger,etc). Acho que nós, arquitetos da periferia do capitalismo, não podemos nos dar ao luxo desta reticência em enfrentar o real. Temos todo um território a organizar, cidades a reurbanizar, escolas, habitações, creches e postos de saúde a construirmos. Ao contrário da América do Norte e da Europa, que há anos estão derivando para a direita, a América do Sul parece estar buscando um caminho para diminuir suas diferenças sociais e aumentar a inclusão econômica e cultural de sua população. A hora é esta.

Euclides Oliveira