PERDIDO
Fazem dois, três meses, por aí,
Um cão, um grande poodle
Negro, empoeirado,
Que por cá passa sempre assustado,
Apressado, esgueirando-se pela rua
Com jeito de rejeitado.
Tem resistido o bicho;
Volta e meia aparece e parte em seguida, aflito,
Farejando sem cessar o rastro dos seus,
Procurando, incansável, o caminho de casa
No insolúvel quebra-cabeças das esquinas.
Terá alguém que o alimente? Dê-lhe um osso?
Beberá, tão somente, ao longo das calçadas
Das poças d'água que restam das chuvas?
Penso, que pesadelo tenebroso instalou-se
Tão de repente em tua vida, bicho triste?
Pobre cão, que duro deve ter sido
Para ti, sentir-se assim perdido
Num átimo de tempo, no momento impercebido
Ver-se apartado de tudo aquilo
Que era o teu tempo, o teu espaço,
O objeto do teu afeto? Só,
Vagando em interminável agonia,
Procuras incessantemente
Algo teu que desapareceu,
Que não consegues reencontrar;
E enquanto trotas por aí os dias vão passando,
Tua memória do anteontem vai se esvaecendo,
Torna-se baça, pequena, difusa,
Um ponto distante de luz
Na escuridão de tua vida.
Não vejo final feliz para teu sofrimento, cão.
És velho, grande, feio,
Ninguém há de te acolher;
Só posso para ti desejar
Que uma dessas manhãs (misericordiosa)
Te encontre dormindo em paz.
Euclides Oliveira, 2003.
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