PALLADIO

domingo, agosto 20, 2006

PERDIDO

Anda vagando pelo bairro
Fazem dois, três meses, por aí,
Um cão, um grande poodle
Negro, empoeirado,
Que por cá passa sempre assustado,
Apressado, esgueirando-se pela rua
Com jeito de rejeitado.

Tem resistido o bicho;
Volta e meia aparece e parte em seguida, aflito,
Farejando sem cessar o rastro dos seus,
Procurando, incansável, o caminho de casa
No insolúvel quebra-cabeças das esquinas.
Terá alguém que o alimente? Dê-lhe um osso?
Beberá, tão somente, ao longo das calçadas
Das poças d'água que restam das chuvas?

Penso, que pesadelo tenebroso instalou-se
Tão de repente em tua vida, bicho triste?
Pobre cão, que duro deve ter sido
Para ti, sentir-se assim perdido
Num átimo de tempo, no momento impercebido
Ver-se apartado de tudo aquilo
Que era o teu tempo, o teu espaço,
O objeto do teu afeto? Só,
Vagando em interminável agonia,
Procuras incessantemente
Algo teu que desapareceu,
Que não consegues reencontrar;
E enquanto trotas por aí os dias vão passando,
Tua memória do anteontem vai se esvaecendo,
Torna-se baça, pequena, difusa,
Um ponto distante de luz
Na escuridão de tua vida.

Não vejo final feliz para teu sofrimento, cão.
És velho, grande, feio,
Ninguém há de te acolher;
Só posso para ti desejar
Que uma dessas manhãs (misericordiosa)
Te encontre dormindo em paz.

Euclides Oliveira, 2003.