PALLADIO

segunda-feira, agosto 14, 2006

NOTURNO DE SÃO PAULO

Havia (era uma vez)
Nas madrugadas sem serestas
De São Paulo,
Um halo branco, um véu mais denso
Do que a bruma que aparentava ser,
Um fumo, um ectoplasma
A vagar por parques e praças
Lavadas por fina chuva,
Pelas bocas do metropolitano
Sem seu povo, apagadas;
A passar por ruas e vielas,
Com seus prédios de concreto
Inertes, como rochedos,
A espera do amanhecer.

Na forma de nevoeiro
Ou na de halo ou véu,
Este vulto que rondava a cidade
Antes do sol nascer,
Era a alma do poeta
(Que tanto e tão bem a cantara)
A procura do corpo
Que por aqui deixara em pedaços
Ao morrer

No Largo do Paissandú ficara
O seu coração paulistano;
Na Lopes Chaves a cabeça, o joelho
Na universidade...
E assim, dele saudoso,
Retornava o poeta à cidade
Procurando seus pedaços,
Remexendo aqui e ali,
Imprecando na escuridão,
Assustando os parcos boêmios
Que nada sabiam das tripas
Que atirara ele aos demônios,
Nem das finas mãos de artista
Que desviveram e desapareceram
Nesta desvairada paulicéia.

Eucides Oliveira/ 2001.