PALLADIO

quinta-feira, agosto 17, 2006

Tibor Kalman

O designer norte-americano Tibor Kalman era húngaro de nascimento, emigrou ainda pequeno para os EUA, mas não foi, certamente, um cidadão ianque exemplar; preso na época da guerra no Vietnam por causa de seus protestos no campus da sua universidade, quando solto viajou para Cuba como cortador de cana, ajudando a ilha na colheita de seu principal produto de exportação. Kalman morreu ainda jovem, em 1999; segue abaixo um texto de sua autoria.

Comitês fodidos (fuck committes). É sobre (o texto) a luta entre indivíduos que fazem de seu trabalho um credo contra os comitês corporativos de hoje, que acham que entendem de tudo sobre as necessidades do povo e que estão abolindo quaisquer idiossincrasias que porventura ainda sobrevivam, polindo todas as arestas que sobraram, criando assim um "mix" cultural livre de paixões, de pensamentos e que não será amado ou detestado por ninguém. Em nosso tempo, praticamente toda a mídia, a arquitetura e o design gráfico e industrial foram libertados das idéias e paixões individuais sendo relegados a uma função servil perante as grandes empresas, desenvolvendo estratégias corporativistas e aumentando os ganhos de mercado.

Gente criativa está trabalhando agora no fundo do poço; editores de revistas perderam sua independência editorial e agora reportam-se a comitês de produtores (que por sua vez trabalham para comitês de publicidade). "Scripts" de TV são censurados por produtores, anunciantes, advogados, especialistas em marketing, bandos de bem pagos executivos que escolhem os produtos que são inofensivos o bastante para divertir os que eles chamam de "mínimo denominador comum" das massas. Os estúdios de cinema submetem seus filmes a especialistas de mercado para verificarem se determinado final vai agradar ou não o público alvo...]

Humbetor Eco já escreveu sobre este assunto, filmes e livros de hoje baseiam-se na "vontade dos mercados" (?), com o discurso de que o bem sempre vence o mal e até mesmo a morte, via de regra abusando de extrema violência e ignorância por parte de seus heróis. Lermos ou assistirmos filmes cujas narrativas não terminam "bem", ajudam-nos a aprender a suportar frustrações e nos preparam para aceitarmos a morte. Mas continua o Kalman:

[...Os automóveis parecem todos iguais. As decisões sobre arquitetura são feitas por corretores de imóveis, a publicidade é estúpida. O teatro está morto. As grandes corporações tornaram-se os únicos árbitros dos valores culturais na América, nossa cultura é uma cultura de empresários...]

Volta e meia me deparo com um artigo deste gênero e percebo, surpreso, como tanta gente boa entende a situação por que passam as culturas regionais nestes tempos reacionários; e que, apesar disto, não se vê uma fenda, uma rachadura significativa sequer no "establishment" cultural. Quantos textos sobre a mercantilização e a colonização (americanização) da nossa arquitetura, da nossa música, das nossas artes plásticas, já li nos últimos anos e no entanto não vejo a menor mudança no cenário vigente ( vivemos o nosso " thermidor"). Para a arquitetura atual, o futuro não tem a menor importância e o passado menos ainda (pelo menos o passado brasileiro, pois somos obrigados a engolir como nosso o passado dos outros). O lixo edificado em nossa época restará para o espanto das nossas futuras gerações, que certamente não entenderão porque não fizemos tantas coisas (pelo menos um teto para a humanidade) e fizemos tantas outras tão mal e porcamente.