PALLADIO

sexta-feira, setembro 01, 2006

A rua segundo Leonardo Benévolo.

No texto anterior "A cidade segundo Pierre Diaz", havíamos chegado ao ponto em que este afirmava que, desde a Renascença até o século XVIII, a morfologia das cidades européias refletia a ascensão da burguesia ao poder, utilizando-se da expressão de Françoise Choay para definir o espaço público resultante como o "espaço do espetáculo". Neste entretempo aconteceram a contra-reforma e a inquisição, a colonização brutal do Novo Mundo e a reintrodução da escravidão no ocidente, seguida do avanço das grandes potências européias sobre a África, o sul e o sudeste da Ásia; com a Revolução Francesa tiveram fim as monarquias absolutistas e
acelerou-se o processo de acumulação do capital, tendo início, igualmente, a formação do proletariado nas cidades, que cresciam desordenadamente na incipiemte revolução industrial.

A arquitetura oficial do final do século XVIII até meados do século XIX foi, sem dúvida, o neo-classicismo, mas o urbanismo, o espaço público, como se transformaram eles no "espaço de circulação" de Choay? Leonardo Benévolo, em seu livro "A Cidade na História da Europa", tem uma explicação convincente para o fato: [... A rua oitocentista, embora derive da rua medieval, acaba por modificá-la e destruí-la; os caminhos antigos são alargados, as fachadas são reconstruídas, as malhas irregulares são substituídas por um desenho regular......A Haussmanização conduz assim a destruição dos centros antigos. Nasce uma retórica tendenciosa que exagera a ruína, a insalubridade, a miséria das partes mais antigas da cidade e que chega mesmo a penetrar na linguagem burocrática......A demolição dos muros perimétricos, que ocorre em quase toda a parte, está associada a ruptura dos vínculos com o passado, à conquista do ar, da luz, da liberdade de movimentos. Da destruição são excluídos os edifícios antigos mais importantes, que a história da arte classifica como documentos históricos e modelos dos estilos restrospectivos para a nova construção civil e que a consciência coletiva considera indispensáveis para a caracterização dos locais. Esses edifícios são isolados e utilizados como focos perspectivos dos novos espaços urbanos, onde, todavia, acabam por deixarem de se destacar porque as novas construções, mais densas, imitam suas dimensões. Tornam-se "monumentos" separados do ambiente urbano, tal como no museu, as obras de arte estão separadas do circuito quotidiano de fruição.

Nesta situação a arte começa a separar-se da vida, o ambiente quotidiano começa a ficar mais pobre e a beleza transfere-se para a esfera do entretenimento, do tempo livre...] (do turismo, acrescento eu).

No Brasil, este fenômeno só veio a se manifestar nas primeiras décadas do século XX, com a remodelação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, afrancesada pelas mãos de Paulo de Frontin e de Pereira Passos. Foi então aberta (ou melhor, rasgada) a Avenida Central (a atual Av. Rio Branco) sobre a antiga cidade colonial portuguesa, para gáudio dos que a achavam, a maneira do poeta Olavo Bilac, "imunda e retrógada". Como já comentei em meu texto inicial deste Blog, era o ecletismo a linguagem que mais servia aos interesses da burguesia local, na época, e assim, segundo este "estilo", foram erguidos os prédios ao longo dos dois quilômetros da nova avenida; os ares europeus também aqui faziam bem à necessidade de exibição dos novos ricos.

Mas a cidade colonial não era desprovida de elementos urbanos consolidados ou edifícios de arquitetura significativa: além dos numerosos conventos e igrejas do clero ou das ordens laicas, haviam monumentos como o aqueduto da Carioca (os Arcos da Lapa), belo em si mesmo até os dias de hoje; o Largo do Paço, voltado para a baía da Guanabara, com o chafariz de mestre Valentim e o cais em cantaria do engenheiro sueco Jacques Funck; o passeio público, que, aliás, de público não tinha nada, completamente cercado por grades que era, sendo seu uso reservado aos barões e patrões bem situados na vida e sua respectivas famílias; o Paço de São Cristovão, o do Conde de Itamaraty, o prédio da Alfândega, a Santa Casa de Misericórdia... Também este patrimônio se viu envolvido (e as vezes destruido) pelos novos discursos urbanos trazidos para os trópicos, primeiro da França e depois (horror, catástrofe) dos EUA. O curioso é que aqui cabe, com alguma ironia, a observação de Benévolo sobre os novos espaços "Haussmanianos", que isolavam os edifícios historicamente significativos para transformá-los em monumentos "perspectivados", apartados da vida urbana; já na era moderna foi aberta, no Rio de Janeiro, a Av. Pres. Vargas, perpendicular à antiga Av. Central e que tem como ponto de fuga de sua majestosa perspectiva, rasgada por sobre a velha cidade, os "fundos", da Igreja de Nossa Senhora da Candelária, construída no início do século XIX, sendo sua fachada principal voltada para o outro lado (felizmente de escala mais amigável), a praça Pio X.

Euclides Oliveira

1 Comments:

  • Caro Palladio
    Frequento um Mestrado em História de Arte na Faculdade de Letras de Lisboa e preciso fazer um trabalho de 15 ou 20 páginas para o seminário de Estudos de Urbanismo. Seria a leitura comentada com pesquiza em bases de dados sobre recensões a uma de duas obras à escolha: ou de Leonardo Benevolo, História da Arquitetura Moderna, ou de Lewis Mumford, The City in History. Estou com dificuldades pois ambas as obras são grandes e dispendiosas, e etsa não é a minha área, pois estou a fazer a tese sobre pintura barroca e maneirista. Será que o meu amigo poderá ceder-me algum material que tenha sobre o assunto, ou dar-me algumas pistas que me possam ajudar.
    Um abraço e desde já os meus agradecimentos.
    Pereira

    By Blogger Pereira, at 10:51 da manhã  

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