PALLADIO

sexta-feira, setembro 29, 2006

O Lugar.

Este é um texto tirado de uma conferência do Vittorio Gregotti na New York Architectural League em 1983:

[... O pior inimigo da arquitetura moderna é o espaço considerado exclusivamente em termos de suas exigências técnicas e financeiras, indiferentes à idéia de lugar.
Segundo acreditamos, o ambiente construído que nos cerca é a representação física de sua história e o modo como acomodou diferentes níveis de significado para formar a qualidade específica do lugar..... Na verdade, através do conceito de lugar..... o ambiente tornar-se-ia a essência da produção arquitetônica. A partir deste ponto de observação, é possível vislumbrar novos princípios e métodos para o projeto. Princípios e métodos que dão preferência a sua localização em uma área específica. Este é um ato de conhecimento do contexto que decorre de sua transformação arquitetônica. A origem da arquitetura não é a cabana primitiva, a caverna ou a mítica “casa de Adão no Paraíso”.
Antes de transformar um suporte numa coluna e um telhado num tímpano, antes de colocar pedra sobre pedra, o homem colocou uma pedra no chão com a finalidade de identificar um lugar no meio de um universo desconhecido, para que assim pudesse conhecê-lo bem e modificá-lo.... ]

O que Gregotti quer dizer-nos é que o homem está continuamente modificando tanto a paisagem rural quanto a dos assentamentos urbanos, para sua sobrevivência e crescimento. Assim, toda e qualquer paisagem tem uma história de como e porque foi modificada no tempo, sendo que o homem, ao ocupar o solo (para a agricultura, o pastoreio, a construção do seu abrigo, suas aldeias e cidades), projeta nele não apenas a sua racionalidade, mas também os seus arquétipos, os seus símbolos e a sua visão do cosmos. O lugar não é “inventado pelo edifício”, como afirma Peter Einsenman, mas formado por seu espírito (Genius Loci) que compreende, além do meio físico, sua memória e seus mitos, as relações sociais que nele ocorrem, os ritos e costumes de quem o freqüenta, etc..

Ao observarmos o espaço público como um lugar onde acontecem relações sociais entre indivíduos, verificamos que este deve ter características (com continuidade no tempo) que gerem referências que o identifiquem física e emocionalmente perante a comunidade, criando com ela uma ligação afetiva que favoreça a coexistência indispensável para a comunicação entre seus membros. Cabe aqui diferenciarmos a qualidade urbana de um espaço público, da qualidade arquitetônica dos edifícios que o conformam: podemos perfeitamente, por exemplo, termos uma rua com sua caixa admiravelmente bem proporcionada, adequadamente arborizada para o nosso clima, dotada de pontos de encontro interessantes como cafés, livrarias, uma esquina singular aqui e ali, etc., ladeada por prédios de péssima arquitetura. Aliás, todos nós temos os lugares urbanos de nossa predileção; experimentem enumerá-los e verificar o porquê das suas ligações com eles; estas, certamente, estarão relacionadas não apenas às suas qualidades físicas, mas também à memória, aos aspectos afetivos e emocionais. São estes os espaços que, por suas qualidades urbanas e significados históricos referenciais para a população, formam a base da coexistência social entre indivíduos diferentes entre si, coexistência esta que forja os fundamentos de uma comunidade democrática, aberta e, futuramente (esperemos), mais solidária. Precisamos (e muito) destes lugares, livres da ditadura do consumo e do mercado, espaços apenas para nos encontrarmos, passearmos, conversarmos, pensarmos, sonharmos.

Já quanto ao "ambiente tornar-se a essência da produção arquitetônica", esta é uma antiga postulação dos arquitetos brasileiros; desde os primórdios da escola "Carioca", estes tratavam da adaptação de seus edifícios ao nosso clima tropical, à nossa cultura e à vizinhança do local onde seriam implantados ( ao lugar, portanto).

Euclides Oliveira.