PALLADIO

terça-feira, novembro 21, 2006

NOTURNO DA GÁVEA

É noite alta
No alto da Gávea.
Insone, espio da minha cama
As sombras que, vagarosamente
Dançam no teto caiado de branco
Serão os reflexos dos galhos das árvores?
(Ou os longos dedos de um ser da noite?).

Lá na rua um bonde passa
Rangendo sobre os trilhos;
De súbito freia na curva
E depois segue em frente,
Voando a nove pontos.
(Será que falta muito para o fim da madrugada?)

Na noite perfumada de jaca e manga
Passeiam sobre os muros os gambás;
Lá fora, penso, sem sono,
Passeando também sobre os muros
Estará meu gato, o Brotinho
A olhar inquieto, guloso,
As gaiolas de passarinho.

Temo por ele; temo o Leo,
Temo o Lice; no silêncio da noite
Elevam-se seus pausados latidos,
Graves, pesados, assustadores.
(Será ladrão na rua?)
O Brotinho que se cuide.

Que me cuide eu, penso,
O dia a muito que se foi,
Já cantei (entredentes), rezei pro anjo,
Fechei, abri e fechei os olhos
Tantas vezes e o sono não vêm.
Não ouço mais vozes,
Papai, mamãe, a vovó, a Zizi,
Os adultos se recolheram,
Parece que todo o mundo dorme,
Menos eu. Sinto um cheiro de flor;
Serão as damas-da-noite
Aromando a escuridão?
Ou os lírios de um morto-vivo
Debaixo da minha cama
Deitado em seu caixão?

Não! Balanço a cabeça,
Dormir, tenho de dormir (outro bonde)
- Que uma noite não é nada
Quem não dormir agora
Dormirá de madrugada -

“E acordará nas asas da manhã”

O longo apito do guarda noturno
Soa no alto da Gávea.