PALLADIO

terça-feira, outubro 31, 2006

Arquitetura e Crítica

Retirei de uma antiga entrevista de Kenneth Frampton para uma edição da revista AU, este trecho sobre crítica arquitetônica, afim de comentá-lo:

[... A visão da prática crítica, ou da cultura crítica, como agente transformador da sociedade, leva a idéia de uma prática crítica da arquitetura, tornando a questão mais complexa. A crítica faz parte do mundo das idéias; é um objeto ideológico, já que não toca diretamente a realidade física “...].

A colocação de Frampton é um tanto confusa; evidentemente a crítica é sempre uma atividade intelectual, que lida com idéias, assim como também o é a prática arquitetônica (embora esta vise o ato de edificar). Me parece também evidente que a prática da arquitetura é necessariamente crítica, se esta não se limitar a reproduzir modelos ou "carimbar" tipos. No caso da crítica de arquitetura, para melhor compreendê-la podemos separá-la em duas vertentes principais, conforme o objetivo a que se propõem:

Uma seria a crítica do real, do tectônico, do pensamento arquitetônico ou urbanístico materializado e a outra a crítica da prática profissional em sua vertente humanista e do conjunto de crenças em que se baseia; idealmente as duas deveriam se complementar, o que não é sempre possível. Mas de uma maneira geral a primeira diz respeito à estética e à técnica e a segunda à ética.

Parece-me lógico admitir que sempre que o fazer arquitetônico estiver fundamentado sobre um sistema coerente de conceitos, suas realizações deverão ser criticadas em função deste sistema; por exemplo, fazia parte do corpo de idéias do modernismo, em seus tempos “heróicos”, a transformação da sociedade através da projetação de espaços dignos para o homem; a mídia especializada da época adotou e defendeu esta ideologia, utilizando-a em sua prática crítica. No entanto é possível uma crítica da arquitetura de um edifício fora (ou apesar) do seu contexto social, avaliando-se, por exemplo, se sua implantação foi correta, como ele se relaciona com a vizinhança, se a insolação e a ventilação estão de acordo com o clima local, a racionalidade da estrutura, do sistema construtivo, a qualidade do acabamento e sua durabilidade no tempo, suas qualidades plásticas, etc. No entanto, é a crítica da ideologia social e política que norteou o projeto, a que iluminará o seu valor tectônico.

Hoje em dia, com a “vontade dos mercados” dominando grande parte da produção arquitetônica, a mídia impressa voltada para a arquitetura abandonou as suas antigas posições ideológicas e passou a ter, como objetivo maior, a competição mercadológica entre si, publicando, acima de tudo, o fotogênico, o luxuoso, o espetacular, quando não um “merchandizing” mal disfarçado dos interesses imobiliários das grandes corporações. A crítica autêntica passou a ter pouco espaço nas revistas especializadas e migrou, em grande parte, para a internet, que é hoje o lugar mais adequado para procurarmos artigos sobre arquitetura e urbanismo livres da “censura” dos Conselhos Editoriais, geralmente formados por marqueteiros e empresários.

Tentando resumir, acho que a crítica (de arquitetura, de música, de artes plásticas, literatura, etc.) deveria ser uma reflexão sobre a história no passado e no presente do exercício destas artes, relacionada diretamente à história geral da humanidade, com seus modos de produção e organização política (como quer Leonardo Benévolo), sujeita às futuras revisões que só o distanciamento do crítico/historiador, no tempo, permitirá (revisões estas que poderão nunca ter um fim). E quanto a prática crítica da profissão (que parece ser um agente complicador para Frampton), creio que todo bom arquiteto a exerça, refletindo contínua e constantemente sobre sua produção e na sua relação com o meio físico e histórico em que se insere, para que o passo dado em cada novo projeto possa ser maior do que o do anterior.

Euclides Oliveira