Arquitetura Pré-Histórica
Concordo com Vittorio Gregotti que em primeiro veio a escolha do lugar, o território que o hominídeo escolhia para si embaixo das árvores, para abrigar-se das intempéries e dos predadores, junto ao riacho, fonte de água e alimento, nos pontos mais altos do relevo para dominar visualmente o sítio, etc.. Depois, passou a demarcá-lo, fazendo paliçadas que o protegessem do vento e das feras; a descoberta do fogo deve ter determinado a organização destes assentamentos provisórios em torno da fogueira, fonte de calor, luz e, mais tarde, local de preparo do alimento.
Abrigo é sinônimo de cobertura, e sendo os povos primitivos constituídos por caçadores e coletores nômades, estes deveriam habitar tendas (imagino eu) trilíticas ou cônicas, estruturadas por varas de madeira e cobertas com folhas secas ou couro de animais curtido. Em algum período entre o final do paleolítico e o início do neolítico, com o advento da agricultura e o conseqüente assentamento permanente do homem no território, outros materiais, mais sólidos e duráveis, começaram a serem usados para a construção dos abrigos.
Provavelmente a vila neolítica típica era um aglomerado de casas (com um só cômodo comportando o local do fogo e o de dormir) de argila ou pedra, organizadas em torno de um edifício destinado a práticas religiosas ou mágicas. Os artesãos que as construíam deviam pensar mais em formas a serem repetidas do que em idéias construtivas onde pudessem colocar elementos de ordem pessoal (a cabana decorada dos pós-modernos). A pergunta que me faço é quando teriam começado a reflexão e a crítica sobre a tradição construtiva? Quando um ou vários artesões ousaram transgredir as normas pré-estabelecidas do grupo, tornando-se assim arquitetos, mesmo sem o saberem? De qualquer maneira, acho que podemos decompor os elementos das construções pré-históricas como segue:
1 – O chão; o lugar no território que o homem escolhe, delimita e risca, para ali erguer o seu abrigo.
2 - O muro; tecnicamente o suporte da cobertura que define o abrigo. Simbolicamente, a fronteira entre o público e o privado, o particular e o coletivo, a proteção, a segurança.
3 – O teto; o abrigo contra o clima, a chuva e o sol, o calor e o frio. A forma de se cobrir gera a técnica e seu artesão , com a divisão social do trabalho, torna-se o construtor que, como já vimos, se transformará em arquiteto.
4 – As aberturas; de início, apenas uma única e simples porta, permitindo a passagem do homem, do ar, da luz, do sol, do luar.
5 - O espaço criado; o local do descanso, do sono, o lugar do fogo onde o homem se aquece, cozinha seu alimento, afasta a escuridão vencendo as trevas da noite.
6 – Outros espaços; Com a racionalidade veio a consciência do homem sobre o seu Eu e a sua finitude no tempo, nascendo deste conhecimento a idéia da vida após a morte e dela o religioso e o mágico. Assim, todas as vilas neolíticas tinham um espaço central sagrado, que deve ter-se transformado posteriormente em espaço do poder político, anexo a um mercado público (acho eu), precursor de ágoras e praças. Deveriam haver armazéns para os grãos das colheitas; seriam eles coletivos? Em geral não há vestígios de fortificações ou paliçadas nas vilas neolíticas; elas vieram depois, com as invasões dos povos nômades, no início das Civilizações.
Quanto a disseminação e a evolução do habitat neolítico, Leonardo Benévolo nos diz que é possível considerar a história da arquitetura como a história do ambiente antrópico:
[...A distinção do ambiente humano do ambiente natural e a do ambiente físico das outras circunstâncias, que formam as vicissitudes da vida individual e social, são distinções de fato, que cumpre verificar empiricamente em todos os lugares e em todos os tempos. Por isso, a história da arquitetura passa a ser uma seção da história geral e não exige uma metodologia separada...]
[...As fases principais da história da arquitetura dependem das grandes mudanças dos métodos de produção, que correspondem a saltos do desenvolvimento demográfico:
a) a passagem da coleta para o cultivo dos alimentos, que permite o assentamento estável e integrado da aldeia neolítica (há cerca de 10.000 anos);
b) a formação dos grupos dirigentes - guerreiros, sacerdotes, escribas, artezãos especializados, distintos dos produtores de alimentos - que possibilita o surgimento da cidade e da civilização urbana (há cerca de 5.000 anos);
c) a ampliação desta classe dirigente, em consequência da introdução de aparelhagens mais sensíveis - antes de ferro que de bronze - e da escrita alfabética (há cerca de 3.000 anos);
d) a "revolução comercial" baseada na melhoria da produção agrícola e artesanal e numa nova organização do trabalho não servil (há cerca de 800 anos);
e) a "revolução industrial", isto é, o desenvolvimento ilimitado da produção e do consumo, que aplica na tecnologia os rtesultados da pesquisa científica (há cercade 200 anos).
Segue a parte mais polêmica destas assertivas de Benévolo:
[...O ambiente contemporâneo caracteriza-se sobretudo pelos efeitos do desenvolvimento industrial: ele já recebeu no passado, recebe agora e está para receber uma série de transformações mais profundas e mais rápidas do que se registraram em qualquer outra época posterior ao aparecimento da cidade. Por conseguinte, é lógico considerar o ambiente anterior a essas transformações como um todo unitário: a cidade pré-industrial (que compreende as cidades do passado antes da revolução industrial, e as cidades do presente ainda não alteradas pelos efeitos daquela)...]*
Ou seja, existiria uma diferença morfológica e funcional profunda entre a cidade industrial e pós-industrial e as cidades barrocas, renascentistas, medievais, clássicas, etc.
Lembro ainda, como conclusão, que com o capitalismo veio a transformação da arquitetura de bem cultural ou de raiz para bem de consumo, de mercado. E que a partir deste acelerou-se não apenas a exploração brutal do homem pelo homem mas também a exploração desmedida dos recursos naturais do planeta, o que colocou a humanidade na situação de xeque ecológico que hoje vive.
* Benévolo, Leonardo, 1923 -; A Cidade e o Arquiteto, pags. 30/31, Editora Perspectiva. Coleção Debates - Arquitetura.
1 Comments:
muito bom!
Procurei assuntos referentes ao tema mas a sua explicação foi muito bem colocada! parabéns...
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Anónimo, at 12:52 da tarde
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