PALLADIO

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Notícias da Terrinha.

Li o número de outubro da l’architecture d’aujourd’hui sobre Portugal, que procura aferir como que a nova geração de arquitetos portugueses lidou com a herança cultural dos mestres do modernismo regionalista como Álvaro Siza, Gonçalo Byrne, etc. Enfim, trata-se ali de averiguar a influência sobre a produção arquitetônica que tiveram a queda da ditadura Salazarista e o ingresso de Portugal na Comunidade Econômica Européia, a febre desreguladora neoliberal, a entrada, no país, de arquitetos de outras nacionalidades e a explosão do número de profissionais formados em suas faculdades.

A geração da "Escola do Porto" (muito influenciada por Alvar Aalto) soube incorporar, com sabedoria, as tradições construtivas seculares de Portugal com o racionalismo europeu da primeira metade do século passado (aliás, como já o havia feito bem antes, no Brasil, Mestre Lúcio Costa). Chegada a era dos “pop-stars” na mídia arquitetônica, o próprio Siza foi alçado à condição de “estrela” do sistema, posição esta que ele nunca assumiu com a convicção de muitos dos seus colegas de fama, não se apegou a um estereótipo a ser banalizado pelo mercantilismo e consumismo vigentes. Como exemplo cito, a seguir (sem tradução, pois o trecho é de certa maneira poético), um artigo de Wilfried Wang sobre o próprio, publicado na revista Domus, nº. 770, págs. 21/ 22.

[... How many “standard” components from a “high-tech” project have actually survived to see another building? Perhaps Siza’s designs are old-fashioned in that regard; perhaps they are part of a dying era. Perhaps his office’s attempt to use computer is only partial; perhaps his reliance on sketches betrays his true antiquarian manners. Perhaps my apology for the work of Siza’s office is misguided and hopelessly nostalgic. Perhaps my understanding of his work is completely idealized. Perhaps architecture – no, not perhaps: definitely architecture has seen its golden years. But I would contend that the work from Siza’s office and his countless collaborators have contributed to this late glory. Passion and faith in architecture are rare, are becoming rarer still…]

Evidentemente, na produção contemporânea dos arquitetos portugueses aparece (aliás, como em toda a parte) uma banalização do pitoresco, do original, surge o “kitsch glamourizado”, percebe-se a ausência de um Projeto consistente como foi o da geração anterior; a influencia da mídia e da volatilidade do mercado imobiliário, a colonização da cultura local pelos vizinhos ricos já fizeram os seus estragos. Voltamos à contradição – regionalismo cultural versus globalização -, assistimos novamente a perda do potencial transformador da arquitetura, a formação de um novo perfil das cidades com origem na especulação imobiliária. Tanscrevo, a seguir, alguns comentários de arquitetos portugueses sobre este assunto:

Nuno Grande nos diz que nos anos setenta e início dos oitenta [... a "inteligência" arquitetônica de Portugal se posicionou ideologicamente à parte da corrente dominante da arquitetura européia, distanciando-se tanto das tendências neo-liberais da construção civil quanto dos "lobbies" político-financeiros.... No entanto, embora a Escola do Porto tenha se envolvido neste debate (sobre habitação social e urbanismo) durante os anos oitenta, o desenvolvimento das cidades portuguesas foi deixado nas mãos de especuladores, agentes imobiliários e grandes grupos empresariais, quando não tocado por projetos urbanos importados de construtoras da Espanha, do Brasil, dos EUA e da Ingaterra que enfatizavam o seu "savoir-faire" em achar soluções fáceis para programas ambiciosos: enormes edifícios de escritórios,
conjuntos complexos para negócios, parques temáticos, shopping centres...].

Tiago Mota Saraiva depois de constatar que [... Nos anos setenta a arquitetura portuguesa tornou-se conhecida.... pela habilidade de juntar as lições aprendidas do Movimento Moderno com a qualidade das técnicas de contrução locais testadas e provadas através dos séculos...],
finaliza assim seu artigo sobre ser ou não ser "global": [...trinta anos atrás, o nº 185 da L'Architecture d'aujourd'hui (1976) testemunhava os arquitetos portugueses sendo influenciados por uma das mais importantes revoluções sociais e políticas da Europa no século XX (a revolução dos cravos). Hoje, quando aquele progresso social revolucionário foi esquecido e parcialmente destruído, a prática arquitetônica portuguesa espalhou-se pelo mundo mas fortemente marcada pelo processo de globalização...].

Já André Tavares se refere à "crise do crescimento" [... Apesar do planejamento urbano e territorial em Portugal ter sido gravemente afetado pelos efeitos colaterais do liberalismo moderno, graças a reputação internacional de alguns arquitetos portugueses as faculdades de arquitetura em Portugal estão lotadas de estudantes. Face ao poder dos investidores, os arquitetos são incapazes de mudar esta situação; será sempre este o caso?...]; e continua:
[... Incapaz de "salvar o mundo" o arquiteto tenta salvar seu prestígio reduzindo seu campo de ação, evitando o corriqueiro, aspirando por fama internacional e pontuando a paisagem com construções insólitas. E com isto suas ações não transformam nenhuma cidade, nem eles propoem novas maneiras de viver-se... Neste meio tempo, eles abandonam seus poderes a outros atores sociais em comunicação direta com os investidores e o Poder Público....].

Um ícone da arquitetura globalizada em Portugal é a Casa da Música na cidade do Porto, de Rem Koolhaas (a quem sempre considerei um espertalhão, com muito talento mas oportunista). Hoje em dia, qualquer prefeito quer ter o seu "efeito Bilbao" e, aproveitando-se do fato, o Koolhaas baseou o seu projeto na célebre gravura de Dürer "Melencolia" onde, ao lado de uma figura ou gênio da tristeza existe um volume geométrico denominado rhomboedhro, um poliedro truncado que serviu de modelo para o envólucro de metal da Casa da Música, sapecado meio que de qualquer jeito nos arredores de Oporto. Horrível.

Para terminar, é necessário fazer-se justiça ao trabalho de um italiano em Portugal; refiro-me ao projeto do Centro Cultural de Belém em Lisboa, do Vittorio Gregotti, que tão bem se adapta ao contexto local (esteve exposto aqui no Brasil na última Bienal de Arquitetura). Ele nos mostra como projetar sem agredir o meio ambiente e sem cair no vernacular, realizando um projeto contemporâneo inserido na escala e no “clima” da cidade velha. Como disse o Álvaro Siza, [... a polêmica que o projeto inicialmente suscitou foi substituída pela calma aceitação do monumento na cidade e a descoberta de uma das mais interessantes obras de arquitetura do nosso tempo...].

Como podemos ver, ainda é possível projetarmos para uma comunidade e sua cidade, e não apenas para incorporadoras e construtoras ávidas de lucros fáceis com tipologias de arquitetura tanto sensacionalistas quanto vulgares.

Euclides Oliveira

2 Comments:

Enviar um comentário

<< Home