PALLADIO

segunda-feira, março 19, 2007

Preservação de Espaços de Reclusão na Cidade.

Escrevi esta mensagem a propósito de um belo artigo de Paula Janovitz, editora do Carbono 14 e chefe do serviço de divulgação do IPHAN em SP, publicado originalmente no portal de arquitetura da web "Vitrúvius" denominado "Memórias Difíceis - Espaços de Exclusão na Cidade".

Cara Paula, acho que a sua colocação é sobretudo Ética, versa sobre a oportunidade da preservação do Mal, ou melhor dizendo, sobre a preservação ou não de edifícios, monumentos e espaços que representam ou abrigaram o Mal (no sentido que Platão lhe dá, em sua "República", de oposto do Bem).*

Para mim a questão é muito complexa; por exemplo, quantos monumentos da antiguidade não foram construídos com trabalho escravo? O Mal aí não está na sua função histórica, mas no próprio ato de sua construção; mas representam a cultura de uma época e deste modo devem ser preservados. Milhares de edifícios na história da humanidade acolheram o Mal em suas formas mais cruéis; se você já foi a Veneza deve ter visto as masmorras do Palácio dos Doges, aquele horror todo debaixo de tanta beleza... E a shakespeareana "London Tower" de tantos crimes famosos, os belos castelos medievais dos Senhores da Guerra, quantas atrocidades não viram eles em séculos de história? E mais os monumentos que simbolizam a exploração do homem pelo homem, desde Versailles até a sede do Citybank, em Nova Iorque? Catedrais góticas e igrejas barrocas podem expressar o desejo humano de transcendência através da religião, mas também o poder temporal desta última que tantos homens e mulheres mandou para a fogueira e o cadafalso por meio da Inquisição (vejam os Giordano Bruno, os "heréticos" as "feiticeiras", os alquimistas, os judeus da Península Ibérica, etc.)

Por aqui, além dos fatos recentes que você citou (DOPS, DOI-CODI), quase todas as cidades históricas possuem o seu "Largo do Pelourinho" onde os escravos negros eram publicamente humilhados e supliciados. Há muita ambigüidade nestas questões; se formos considerar que não devemos manter espaços relacionados com o Mal, fica difícil avaliar o que preservar, quando nossos próprios espaços urbanos abrigaram sociedades e ritos tão injustos.

Olhemos os campos de extermínio nazistas – não os vejo como espaços de preservação da dor ou da culpa e sim como campos sagrados dos que ali foram torturados e perderam sua vida. Sinto-os mais como imensos cemitérios sem sepulturas, assim como nós temos os nossos do dia a dia , com lápides ou cruzes para lembrarmos-nos dos nossos mortos, e como tal devem ser preservados (neles, além dos judeus morreram ciganos, deficientes físicos, "maquis" franceses, "partisans" italianos, comunistas em geral, resistentes poloneses...). Quanto a realimentarem o nazismo, para isto eles não são necessários; certos homens não esquecem o seu passado. Outro dia descobri que Kosovo é o nome da batalha onde em 1389 os Sérvios foram derrotados pelos turcos otomanos; mais de meio milênio passou-se e o ódio mútuo entre cristãos ortodoxos e muçulmanos continua até hoje. Abraços perplexos do Euclides.

* Bem - segundo o filósofo grego Platão, a idéia suprema do mundo das idéias. No diálogo "República", Sócrates a descreve para Glaucon: [... é minha opinião que nos derradeiros limites do mundo inteligível está a idéia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não pode se perceber sem concluir que ela é a causa universal de tudo que existe de bem e de belo, que no mundo sensível é ela que cria a luz e a ausência da luz; e que é necessário vê-la para se conduzir com sabedoria, tanto na vida privada quanto na vida pública...] - in Pequeno Dicionário de Filosofia e Ciência de Góes Monteiro de Oliveira, Pedro, pag. 8.