PALLADIO

sexta-feira, setembro 18, 2009

CARTA AO VITRÚVIUS

Caro Abílio,

Em primeiro lugar quero cumprimentá-lo pelo alto padrão editorial (e gráfico!) que você tem mantido com real profissionalismo, ao longo de tantos, anos no Vitrúvius (esta é a boa notícia). Em seguida gostaria de comentar, aqui no e-m@il do leitor (já que o "Arquitextos" não tem um Forum de debates como o "Minha Cidade"), o artigo do colega Otávio Leonídio intitulado "Cidade da Música do Rio de Janeiro: a Invasora" (e é essa, a má notícia).

Para falar a verdade, achei-o (o artigo) um tanto ou quanto neocolonialista, ou melhor dizendo, "neocolonizado" - opinião esta que provém, como você bem sabe, de um profissional de arquitetura sem nenhuma titulação acadêmica, um "artífice" portanto. Mas o autor parece querer nos dizer que o Portzamparc veio aqui para nos ensinar como fazer arquitetura brasileira, como lidar com o legado dos nossos Mestres, e que nós, arquitetos brasileiros, não estamos prestando a atenção devida... - um tanto pretencioso não? Acho que o próprio Portzamparc não tinha esta intenção que o colega chama de "didática", seria de uma empáfia descabida, que eu acho que ele (o Christian De Portzamparc) não possui ou não aparenta possuir.

Quanto ao "silêncio dos arquitetos" do qual reclama o autor, acho que este se deve principalmente ao mal estar causado entre a classe por um colega estrangeiro que ganha um projeto público de mão beijada, sem concurso ou algo que o valha, recebendo honorários muito, mas muito acima do que o Estado paga aos arquitetos Tupiniquins. O fato de que desde criança o Portzamparc deseja ser um "arquiteto brasileiro", não o habilita automaticamente a vir aqui projetar teatros sem nenhuma concorrência. Trata-se do mesmo mal-estar que existe entre os empregados das multinacionais que, em suas filiais brasileiras, pagam aos seus funcionários "gringos" um salário três ou quatro vezes maior do que o de seus colegas brasileiros, pela mesma função. Puro colonialismo.

Quanto ao grau de qualidade arquitetônica da "Cidade da Música", vou esperar para ver o projeto em seu contexto para melhor avaliá-lo; na minha idade aprendi a não confiar por demais em fotografias de obras de arquitetura. O meu amigo Sidney Linhares, que fez com o Fernando Chacel o paisagismo deste complexo, só tem palavras elogiosas sobre o projeto; mas confesso que fico com um pé atrás quando se trata de obras dos membros do "Star-System" Internacional, ainda mais quando são encomendadas por políticos, e não estou sozinho ao pensar assim - transcrevo, a seguir, algumas palavras do arquiteto e crítico espanhol Helio Piñón sobre o assunto:

[...É evidente que o projeto, como prática de um sistema artístico com sólidos antecedentes, é uma atividade pouco funcional na cultura atual, o que contrasta com o aparente interesse que desperta nos meios de comunicação e, portanto, nas administrações dos mais diversos níveis, sempre tão atentas ao índice de audiência. Só a arquitetura que adquire os modos do espetáculo parece capaz de interessar especialmente aos políticos. Na realidade, entre a arquitetura de sucesso e os políticos se estabelece, pelo visto, um pacto tácito: o político utiliza a "estrela" para parecer culto e bem informado, e a "estrela" utiliza o político para parecer bom arquiteto...}

Não acho que o Portzamparc seja um "mau arquiteto" (como se auto-classificava o Phillip Johnson, com uma certa razão), pelo contrário, admiro muitas de suas obras - mas penso que algumas delas foram feitas com o objetivo explícito e exclusivo de impressionar a mídia especializada internacional e os tais políticos ávidos de popularidade "cultural". Por outro lado acho que a arquitetura brasileira teve uma continuidade desde os "tempos heróicos" até os dias de hoje, embora através de um grupo relativamente pequeno e seleto de arquitetos que escolheram seguir suas convicções profissionais e não o mercado. Tenho por mim que não é o caso de citá-los aqui pois certamente concordaríamos nós dois, tanto sobre os nomes da maioria deles quanto sobre a relevância de suas obras face à banalidade das alternativas "fashion", de fácil consumo, que dominaram nosso cenário arquitetônico nas últimas décadas. Para estes arquitetos, Christian De Portzamparc estaria ensinando o padre-nosso ao vigário.

Aceite um grande abraço do

Euclides Oliveira.