PALLADIO

quarta-feira, maio 20, 2009

ERNESTO SABATO

[... E penso se não será sempre assim, se a arte não nascerá invariavelmente de nosso desajuste, de nossa ansiedade e nosso descontentamento. Uma espécie de gesto de reconciliação com o universo tentado por esta raça de frágeis, inquietas e ansiosas criaturas que somos os seres humanos. Os animais não necessitam de nada disso; basta-lhes viver. Por que sua existência flui em harmonia com as necessidades atávicas. Para o pássaro bastam algumas sementinhas ou minhocas, uma árvore onde construir seu ninho, grandes espaços para voar; e sua vida transcorre desde o nascimento até a morte num venturoso rítmo que nunca é dilacerado pelo desespero metafísico nem pela loucura. Ao passo que o homem, ao se levantar sobre as patas traseiras e transformar em machado a primeira pedra lascada, instituiu as bases de sua grandeza mas também as origens de sua angústia; pois com suas mãos e os instrumentos feitos com suas mãos ele viria a erigir esta construção tão poderosa e estranha chamada cultura, iniciando assim seu grande drama: deixará de ser um simples animal, mas nunca chegará a ser o deus que seu espírito sugere. Será esse ser dual e desgraçado que se move e vive entre a terra dos animais e o céu de seus deuses, que terá perdido o paraíso terrestre de sua inocência sem ganhar o paraíso de sua redenção. ...]

SABATO Ernesto, A resistência, pag. 78, Companhia das Letras, 2008, São Paulo, SP.